Assim encontro meu coração, e assim o observo.
Desolado.
Observo também as palavras que se formam dentro dele, nesse esforço de me afastar do animal em mim e de rodear-me dos atributos que me garantem humanidade. Pensar e encontrar as palavras é o que mais faço.
Abro os olhos dentro das águas mediterrâneas. Atravessam-nas barcos sem data. É nesse ponto líquido que naufraga o meu coração desolado.
Desolado, porque é a solidão que se agarra a mim sem que eu a queira, esse estado de ser solus, sozinho, porque abandonado e negado. Meu coração colore de opacidade as fibras dos meus olhos. Tento ver o mundo com os olhos do outro em vez de tentar ver o meu mundo refletido em seus olhos. E por isso meus olhos se afogam, e meu coração naufraga. Onde cabe uma vida opaca assim.
A próxima palavra é devastado. Porque a terra vasta não é só grande – é também aberta e incontida, desabitada e deserta. Acrescento-lhe esse de que lhe agrega a sentença final: “sou completo”. Completo vasto. Completo arruinado. Completo desabitado. Completo deserto. Volto à tona falho de oxigênio. Trago a água do mediterrâneo misturada à espuma das lágrimas que deixo no leito. As ondas lavam a praia. As ondas lavam os olhos. Deve haver um novo dia por detrás das nuvens escuras.
Fotografia: Giovani Ferreira
A frase em itálico é, com reformulações, de Carl Rogers, e define o que é empatia.