Esse mundo virtual é um nunca acabar de aprendizado e de inspiração. Entre ontem de noitinha e hoje, repare a quantidade de estímulos que recebi. Por essas e por outras é que não devemos jamais e nunca em hipótese alguma julgar nada nem ninguém, nem antes e nem depois de acharmos que sabemos alguma coisa. Tá confuso? É de propósito.
Ontem de noite, sem querer e um tanto a modo de higiene mental, embarquei numa produção poética coletiva, a partir de um dos poemas do livro Pele, autoria do amigo querido Aléssio Di Pascucci. Outros (Pedro e Má) juntaram-se ao “sarau virtual”, como um deles disse, e lá ficamos, umas boas duas horas, mantendo versos quase-quase paralelísticos, regulares na forma, subvertendo-a às vezes com boas sacadas morfossintáticas. Muito bom mesmo. Uma espécie de deglutição do dia que passou, fiquei imaginando, juntando narrativa, poesia e uma dose on the rocks de terapia. Cada um saberá do que falava: num átimo, o que era meu tornou-se nosso, e assim mais fácil de digerir à noite. Bom, né?
Pouco antes disso, havia me deparado com a notícia (que chegou inbox, via uol) para a qual só consegui ligar um adjetivo fora de uso, muito particular do Baixo Minho: estantia. Fiquei estantia. Estupefacta até dizer chega. Mizael de Souza, o triplamente condenado assassino de Mércia Nakashima, a quem o destino fez colocar num dos cursos que dei no Presídio Militar Romão Gomes, declara que vai escrever um livro. O Mizael vai escrever um livro. Para mostrar o seu lado. Os 20 anos a que foi condenado em júri popular, num processo transmitido pela primeira vez ao vivo pela rádio e pela tv, não renderam ibope no facebook, provavelmente porque ele teve a sorte de ser condenado no mesmo dia em que os mensaleiros foram inocentados, e mais sorte ainda porque há uma parcela da memória das pessoas que se esvai como água ralo abaixo. Mizael, aluno do curso de Escrita Criativa do presídio em que cumprirá sua pena, não escreveu na altura uma única linha. Manteve-se numa certa (vou chamar de) soberba convencida, arrogante; deu-se ares de superioridade; quis posar de pop star imaginando ser reconhecido por qualquer um em qualquer lugar. Talvez convicto de que seria inocentado. Errou.
Agora, entro na rede pra ver quem andou se deitando nela. Mole e aleatoriamente vou lendo o que ele, o facebook, sugere que leia: torpor absoluto, que só não é pior porque é consciente. Sim, eu sei que estou lendo o que alguém da além-normalidade me induz a ler. Tudo bem. Manterei o senso crítico.
Mantive, mas não estava preparada para a estultice que cairia sob meus olhos. (Estultice, como estantia, é daquelas palavras que nunca tenho ocasião de usar. Responde por ações estúpidas, insensatas, imbecis e tolas. É o caso.) O blog “Ask Mi” (Mi é uma pessoa) apresenta um alentado (porque só com muito alento mesmo) estudo, recheado de conselhos, resultado de um workshop que a tal Mi realizou com Dora Porto, que por sua vez é orientadora familiar. Nunca ouvi falar dela, mas é na linha daquele “Casamento blindado” à venda em tudo quanto é posto de estrada. Juro que fui lendo achando que a tal Mi estava de sacanagem. Que no final daria risada dos aprendizados recebidos e diria valha-me deus em que século estamos.
Mas não. Os conselhos de “Aprenda a ser uma esposa irresistível” existem pra serem seguidos e são a prova de que não estamos perdidos e há (aleluia!) luz no fim do túnel! Já que
“… a mulher consegue sim fazer mil coisas ao mesmo tempo: comandar uma empresa, cuidar do marido e dos filhos, gerenciar a casa, trocar mil e-mails, atender o telefone, ir ao supermercado, salão, academia, dentista, médico….. tudo no mesmo dia! Ufa!! E aguentam fazer mais de 2 coisas ao mesmo tempo! O homem nem tanto (…) Eles têm outro ritmo!”
então é melhor se precaver e imprimir e colocar na porta da geladeira a seguinte pirâmide orientadora:
Assim, tudo entrará nos eixos como estava previsto no felizes para sempre e você terá seu marido perpétua e eternamente ao seu lado, como atestam a maioria dos comentários à matéria do blog.
Não sei quem é Mi, não tenho nada que ver com o casamento ou as opiniões dela. Nem as discuto, porque bem se diz que entre marido e mulher não se mete a colher. Cada um saberá das sandices, das convenções, das paranoias e das concessões das suas relações íntimas. Eu tenho as minhas, você terá as suas. Mas é impossível não pensar nessa parcela feminina que em pleno século XXI olha para a sua relação como se ela acontecesse na década de 60 do século passado, aquela mesma década que enormes contingentes de donas de casa tentaram transformar ( e veja: sem considerar que nós não vivemos mesmo na década de 60, onde as mulheres não trabalhavam fora de casa etc. etc. etc.). Isso, por um lado.
Por outro (vá conferindo na tabela), imaginar que o homem (e só ele!) queira uma fabulosa parceira sexual, e que lhe retribua as benesses sendo afetuoso, que à estudada atração que a mulher exerça o homem responderá com honestidade (leia-se: no other women), que o apoio no lar da mulher equivalha ao apoio financeiro do homem, e que a admiração feminina por seu homem criará/manterá nele qualquer forma de compromisso, é demais!
(Antes de ir, passo no mural do Ivan, que acabou de compartilhar uma receita de ovos cozidos em creme de espinafre de dar água na boca. E água na boca é o que há!)
Quer ler a matéria toda da Mi? Clique aqui:
A pirâmide puxei de lá, e os alfacódigos são (claro!) do The Matrix!
Mas bom mesmo é terminar com a tal receita de espinafres e ovos!