Meio dia no pátio do mosteiro, sol a pino. Joana, 22 anos, porta da igreja. Pede-me um trocado, digo-lhe que na saída. Sento-me ao lado dela, na calçada mãe de todos. Interrompe a conversa toda hora que alguém entra ou sai da igreja. 10 centavos moço 10 centavos moça. Só responde quem dá de cara com os meus olhos que hoje querem ver tudo. Enquanto estive ao seu lado, nem uma moeda. A maioria não olha. Na verdade, não vê. Joana faz parte da parcela invisível que alumbra as ruas da cidade. Joana quer voltar pra casa. Consegue 10 reais por dia. Quem mais dá são as mulheres, porque têm mais coração que os homens. Mas ninguém olha, ela fala mais pra ela que pra mim ao seu lado. Joana quer juntar dinheiro pra voltar casa. São José dos Campos. Quero saber desde quando está em São Paulo. Na verdade, quero saber tantas coisas, tornadas tão inúteis nesses minutos fora do tempo perfeito das pessoas atarefadas. Dezoito anos. Levanto-me para comprar uma água. O rapaz da água grita sem parar: água pra hidratar, água pra hidratar, água pra hidratar, ajuda eu, moça, minha sogra mora mais eu. Trago duas garrafas e dou uma à Joana. Ela não sabe como agradecer, acho que ela nem sabe que existe agradecer. Fico me perguntando se alguém já terá lhe agradecido alguma coisa. Joana tem olhos claros, arredios até passarmos 10 minutos sentadas lado a lado. Cabelo curto mal cortado, dedos longos todos cortados, pés descalços da cor do asfalto. Ficamos em silêncio. Porque na realidade o silêncio diz-lhe mais, e a mim o silêncio corta-me menos. A mulher em frente, num balanço infinito, repete sem cessar “um emprego pelo amor de deus”. Joana grita “tchau ana” quando já estou nas escadas do metrô. Viro-me e aceno. Ela faz um gesto de brinde com a garrafa de água já quase vazia – meus olhos enchem-se de lágrimas. É seu agradecimento sob o sol a pino. Grito-lhe de volta “se cuida, Joana”. E o rapaz que desce ao meu lado me pergunta, já dentro do metrô: aquela lá é sua amiga? e eu respondo: sim, do peito. E fecho os olhos para que não me pergunte mais nada.
Ofélia, a minha avó
Hoje, a minha avó faria anos. Se não me engano,