De todos os poetas que me encantaram quando primeiro me deparei com as literaturas africanas em língua portuguesa, Jorge Barbosa foi o que, de longe, mais me comoveu. E por causa de uns versos simples, quase inócuos; desses que se colam aos nossos ouvidos e que, entra ano, sai ano, ali permanecem, música suave a embalar a passagem do tempo.
Jorge Barbosa nasceu no arquipélago de Cabo Verde no começo do século XX, e pertence ao grupo da Claridade, que, como pode bem imaginar-se, significou um farolete aceso na literatura chamada então de “ultramarina” pelo regime português. O movimento, aglutinado ao redor da revista que lhe deu nome (ou vice-versa), antecipou tendências e modernidades com uma espantosa clareza. Talvez daí a Claridade, mesmo sem que ela própria soubesse disso.
O poeta teve uma vida circunscrita às suas ilhas; a fronteira marítima serviu-lhe de moldura ao longo dos seus anos, mas a sua poesia elevou-se acima das ondas e fez com que navegasse longe. O mundo caboverdiano vive espremido entre o desejo de ir e a vontade de voltar; o caboverdiano há décadas é expulso da sua terra pelas condições difíceis da vida, que ali se ganha palmo a palmo. Há mais caboverdianos emigrados que caboverdianos em seu próprio solo, mas o que se diz é que o sonho de todos os que estão fora é voltar à sua ilha natal. Tanto quanto o dos que não partiram é ter um navio que os carregue. Jorge Barbosa inventou-se um navio costurado com palavras.
Tanto na sua obra quanto, de resto, na de todos os escritores africanos que criam literatura com o suporte da língua portuguesa, o Brasil tem uma presença iluminada. O Brasil-colônia liberta, o Brasil-Regionalista, daqueles que conseguiam diferenciara sua escrita da matriz portuguesa, inventando-se e reconhecendo-se longe dessa espécie de patriarcado feroz. Imagino uma espécie de ante-visão de si próprios nos trópicos, para esses africanos todos que só deixaram de ser colônia em 1975. A política fazendo vibrar a alma de tantos guerrilheiros-poetas.
O verso que ressoa em meus ouvidos está dentro do poema “Carta a Manuel Bandeira”. É de tal forma preenchido e embrulhado e tangido por ternura, que (outra vez) faz com que o meu dia ganhe distância desse cinza frio tenebroso para onde a minha alma tinha escorregado nas últimas horas. Ouço-o e a minha alma respira, liberta. E é só isto, coisa mais simples!, que quando dito em voz alta ganha espaço e corpo e tempo.
Aqui onde estou, do outro lado do mesmo mar,
Tu me preocupas, Manuel Bandeira,
Meu irmão atlântico.
Deve ter sido para escapar do intangível da vida, das coisas e das pessoas que os deuses inventaram a palavra poesia.
Uma resposta
li em voz alta