8h
“Aos tropeços.” Foi assim que me responderam hoje quando quis saber como ia a vida. Tinha razão o meu interlocutor: há dias que vão assim, aos tropeços, num sobressalto, numa espécie silenciosa de grito, uma inquietação cansativa que só termina quando o sono vence. Eu tenho uma cada vez menor tolerância a dias assim, e hoje infelizmente é um deles.
9h30
Quando acontece, vou atrás de palavras. Às vezes com uma rede de borboletas, mas isso é quando as minhas mãos são mais leves que as nuvens. Hoje, caço as palavras de forma diferente, uma espécie de guerrilha em que preciso pular-lhes em cima, feito leoa disposta a alimentar os filhotes apesar do que for. Digamos que os filhotes são os meus neurônios, e a carne das palavras o sangue que os refaz.
12h
Poucas pessoas conseguem acalmar-me. O melhor a fazer (aqui em casa sabem-no bem) é deixaram-me onde estou, sem grandes perguntas, muito menos cobranças, deixemos as dúvidas e os questionamentos para amanhã. Porque, também, assim como vem, vai. E não: não é menopausa, porque são anos e anos de tropeçadas irregulares. Algumas coisas ativam-me a inquietude, e nada têm a ver com hormônios. Não: um de meus problemas é estar cansada de esperar.
14h30
Primeiras presas do dia: palavras que derivam de pathe/sentimento, transformado pelos romanos em pati/suportar. Derivadas: paciência; paixão; empatia; padecer. Pausa e silêncio. Assuntos para outro dia. As palavras olham-me como eu a elas: “guardo-vos numa gaveta para ter-vos em outro momento”.
19h00
Últimas presas do dia: palavras de Gilles Deleuze, que ainda é gentil o suficiente para me oferecer de bandeja as que dão título a esta crônica. Passo o dia à procura e eis que me encontro: da sua cadeira estofada, com apenas 1/3 de seus pulmões funcionando, esse homem de corpo-sem-órgãos diz-me, assim como se fosse óbvio, que “se não se pode captar a pequena marca de loucura de alguém, não se pode gostar desse alguém… [porque] é este lado que interessa (…) o ponto de demência de alguém ”. Inversão do lugar comum em que se acotovelam almas gêmeas; essas que compartilham, irmanadas; que se aproximam na obviedade do que é sempre o mesmo dia sem surpresas. Hoje, pelo menos, prefiro a outra imagem, a desconstruída, desconexa, ilógica, assustadora, impossível de ser manipulada por sua qualidade única e irrepetível. Gosto disso. Um pouco do possível, para que não sufoque. Agora que termina, o dia melhora.
Uma resposta
surpresa boa foi sua visita!
eu, por aqui, já ando há tempos…
🙂