Todos os Terreiros de Umbanda têm a sua vida interna regrada por ciclos. Abertura e fechamento, entradas e saídas, movimento de expansão e de reclusão. Porque é da natureza da vida, e o que a vida num chão de Terreiro faz é isso – ser vida, respeitar seus ritmos e seus ciclos.
Recesso é uma parada – um retirar-se, um recuar, um ceder. Cedemos à necessidade de parar. A sua origem latina, recedere, nos conta isso. Ajuda-nos, o recesso, a ver as coisas à distância, até mesmo a sentir-lhes a falta, a desejar a volta, o retorno, a presença daquilo que temos como garantido, como rotina. Não há férias no Terreiro – talvez porque férias derive de feriae, que em latim significava um dia de festa. Não é uma festa, o recesso. Custa, até. Porque se sente a falta de algo retirado.
O recesso do Terreiro Pena Vermelha, neste começo de ano, respeitou o respirar da vida grupal. Respeitou a intensa atividade do ano que recém terminou, as necessidades individuais, os fluxos precisando se recompor. E respeitou também a necessidade de silêncio do próprio espaço físico da Casa, ele próprio em recomposição.
Com o recesso, descansaram também as águas. As da Sopa, as dos banhos, dos chás, dos tantos processos que envolvem o movimento com o elemento mais primordial de nosso planeta, a água. Há muitos e muitos anos atrás, nos tempos em que era extenuante lidar com remos e velas para navegar pelos mares, “dobrava-se ponta de terra”, e a esse movimento chamava-se, em latim, campsare. Cansados, os marinheiros queriam descanso – e assim se des-campsava, deixando remos, mastros e velas deitados em terra. E os marinheiros, finalmente, descansavam. É fundamental, na vida, reconhecer os momentos em que é preciso deixar armas e bagagens, e apenas recuperar forças.
É o que fazemos, ao longo do recesso que em pouco tempo já termina: deixamos velas e atabaques, panelas e remos, esteiras e mastros descansando, e descansamos também. Tomamos fôlego para o ano. Fôlego para os desafios. Fôlego para o encantamento que não cessa.
Chegando o retorno, há sempre muito trabalho: é preciso lavar, pintar, varrer, repor, consertar, alinhar, conversar, programar, podar, replantar, vestir, fazer brilhar. Revigorados, voltamos à pequena azáfama que é a vida grupal, em amor e entrega. Aos poucos, e em poucos, reestabelecemos contato. Reunimos nossas mãos, olhares e braços. O Congá nos contempla, na quase penumbra em que também ele descansou.
Há muito trabalho pela frente, mas enquanto a esteira ainda descansa, é possível refletir sobre os passos dados, para cultivar um bom caminhar através do ano ainda em seu início. Com muito axé, muita alegria e muita presença para servir, chegada a hora, estaremos prontos.
Fotografia: Sofia Espanion