Demorara-se na escolha. Detivera-se mais tempo do que o esperado nas cores, que na realidade eram só três. Algumas estavam em falta, informara a atendente. Mas ela apreciava demorar-se nas coisas que escolhia para oferecer a ele. Acariciava-as antes de se decidir, e prolongava o prazer de dedicar-se a algo que seria só dele. Era uma falta de pressa, uma degustação acariciante de cada coisa do mundo. Meias de lã, macias como a lembrança que despertassem nele quando as vestisse.
Escolheu a cor que combinava com o que lhe conhecia. O tamanho pelo tamanho que conhecia. E pediu um embrulho de uma cor específica, aquele ali, listrado. Eram listras dos tons do céu quando amanhecia ao seu lado.
O pacote demorou-se dentro do carro. Ficou ali, à espera do momento possível. E ela olhava-o e sorria por dentro e por fora. E o pacote à espera travestia-se de todas as cores da saudade.
Chegou o dia de presenteá-lo. Ele olhou o pacote, revirou-o, disse uma ou duas frases sem definição possível. Abriu e disse ó, obrigado, umas meias. E voltou a guardá-las, e a fechar o pacote, deixando-o pequeno e apertado para que cabesse no bolso do seu casaco.
Despediram-se. Ela esperou que ele atravessasse a rua. Olhou-o pelo retrovisor, e no movimento dos olhos, captou a imagem do pequeno pacote apertado caído junto ao banco do carro. Quase quis avisá-lo, mas deteve-se. O pacote apertado demais entristecia o banco, o abandono doía no papel listrado. E ela condoeu-se e não disse nada. E não houve tempo para que pensasse outra vez. Ele já se fora.
As semanas passaram-se. De vez em quando ela se perguntava, terá ele dado pela falta das meias? Talvez se esqueça de me dizer que não sabe onde as guardou. Talvez não queira me dizer. Talvez prefira deixar assim mesmo: “Se ela nada perguntar, não será preciso dizer-lhe que as perdi”. Deve ter pensado uma vez, antes de sossegar e esquecer o assunto.
As meias ficaram ali, queimando os olhos dela cada vez que se cruzavam. Talvez os pés dele não sentissem frio, talvez elas tivessem se recusado a aquecer pés assim. Talvez quisessem pés frios, gelados mesmo, daqueles que as pessoas de coração bem quente têm ao final das pernas. Talvez ele não tivesse um coração quente. Talvez o esfriasse dia a dia, para que não ardesse de repente sem controle. E por isso seus pés não faziam frio.
Dias depois, um amigo queixa-se das agruras do tempo. Seus pés sofrem. Ela não hesita: as meias saltam das suas mãos para as mãos do amigo. Recebe um abraço efusivo e surpreso de volta, quase desproporcional ao tamanho das meias. E porque gostava de fazer as pessoas felizes, seu coração se alegrou. E afastou-se, e afastou de si a ideia e o sentimento das meias, que é um desses sentimentos incompletos que ela vive afastando de si.
Uma manhã, viu-o calçando outras meias. Meias compridas e brancas, parecendo novas de tão brancas. Vestiu-as com atenção e método, dobrando-as um pouco antes do joelho, uma dobra pequena e igual e cuidadosa em ambas as pernas. E pensou, afastando a penumbra densa que desceu sobre seu coração. Estava habituada a ela, e aprendera a reconhecer as saídas. Dizer alguma coisa, você acha? Não havia nada que pudesse dizer. Estava tudo dito.