Uma das sortes de ter vários filhos é que dificilmente se fica sem tema para escrever.
Cada dia de filho que eu tenho descubro dois pais que não tinha: essa frase está há semanas no meu ouvido. Provavelmente sem pensar nisso (ou talvez pensando, que esse filho também é dado a pensar um bom tanto), descobre sem querer o grande segredo: o fato de, a cada dia, descobrirmos que as pessoas são outas coisas além daquilo que pensamos que elas sejam. E, assim, mostram-nos que no fundo sabemos muito pouco uns dos outros, e por condição – não é falta de disposição ou entrega ou interesse ou atenção. É assim e ponto.
É bom que meu filho saiba disso, para que não se surpreenda, nem com os pais que tem, nem com os outros que o rodeiam. Estar prestes sempre a se surpreender e a ver lados antes desconhecidos é uma bênção da vida. Às vezes incômoda, mas também nunca ninguém disse que as bênçãos fossem confortáveis. Saber que tudo pode ser coisa de um momento. Que tudo pode mudar de repente. Aprende-se a não desperdiçar o tempo. A não deixá-lo passar inutilmente. Ou tenta-se tudo isso, porque o tempo tem seus próprios desígnios, e permite em nós o que sequer imaginávamos podermos ser.
É uma espécie de viver em precariedade ilimitada voluntária. Tento convencer-me disso hoje, e de que é bom, assim que olho para o rei de ouros que me aconselha coisas difíceis: disciplina, objetividade, cabeça fria, estabilidade emocional. São bons conselhos, e hei de tentá-los a todos. Mas era ainda madrugada e eu já estava de olhos abertos, numa insônia que o Antônio, lá de Floripa às 5 da manhã, me diz que não, que não é insônia – antes um momento especial, uma porta aberta para as respostas dos mundos espirituais. Acredito no que me diz, mas as respostas que ouço bem baixinho assustam. E volto conscientemente à objetividade e à cabeça fria que também os mundos espirituais me aconselham, e decido lembrar-me disso o dia inteiro, como estratégia de sobrevivência. Espero que os outros hoje se façam leves à minha volta, para que todas as que me habitam, e que meu filho descobrirá ao longo da vida, me permitam a dose de sossego que a madrugada levou embora.
Aquarela de Ivani Rainieri