Exercício – a resposta

“‘Ah, meu bem’, lê Isaura à sombra dos ciprestes, ‘que pena não te ter agora junto à saudade.’ E Isaura estremece porque ouviu a própria voz, oculta pelo tronco da árvore que lhe distende as costas. O silêncio do cemitério agrada-lhe – ali, ninguém a incomodará se chorar, ninguém virá perguntar-lhe porque fecha os olhos e se apoia na árvore esguia, imóvel numa espécie superfície de dor sufocada. Não: aqui está em segura e absoluta solidão, a não ser pela carta em suas mãos.
O envelope rodopia entre seus dedos, resistindo a ser aberto. A marca dos tipos da máquina de escrever passeia-lhe pelas pontas dos dedos. Suas unhas vermelhas ressaltam a brancura do papel e num de repente a lateral se rasga, para fazer nascer a carta  qual feto de dentro dela. O papel não escorrega. Isaura abre mais. Isaura tem paciência, não há nada em seus gestos que seja irmão da inquietude, da pressa, da ânsia. Não: Isaura está calma porque o tem entre as mãos. Em forma de papel, mas ainda assim entre as mãos, qual bicho que desabrochará entre as palmas, resfolegando e arfando como se no último minuto.
Os olhos de Isaura sorriem. Sorriem do segredo tipográfico, por que não uma carta manuscrita? Por que reescrever tantas vezes à máquina, só para um resultado tão perfeito, tão homogêneo, tão equilibrado, tão contido? E seus olhos sorriem porque no fundo ela sabe. No fundo, lá num lugar onde às vezes as coisas se escondem, ela sabe. As grandes paixões: Isaura guarda-as lá, e elas escondem-se, e querem enganá-la. Dizem que nada do que sente se aproxima do sentimento – que haverá outras coisas no lugar, que nem de si mesma ela se deve fiar, que dirá dos outros, Isaura preste atenção em nós agora, olhe só para dentro, agora. Mas os olhos sorriem antes de Isaura perceber que a boca se contrai. E nem ouve essas tímidas imprecações das paixões que a invadem.
E logo o papel segreda-lhe, lá de dentro: ‘Ah, Isaura, meu bem.’ E a tarde será curta para o amor que se desfia de todas as letras de Armindo. Isaura vai esperar anoitecer para voltar para casa, atordoada depois de todas as linhas.”

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