Coisa simples, merecer. Há milênios atende pelo mesmo: ser digno de. A dignidade de decere, sua palavra mãe, que corresponde em nossos dias a “caber no lugar certo”. De onde se depreende que merecer algo, ser digno de algo, está relacionado a que esse algo caiba em si mesmo.
Pois bem. Há coisas que não cabem. Umas, porque são grandes demais. Outras, porque são pequenas demais. É destas, as pequenas demais, que falo. Nestas, sobram espaços vazios; são vácuo assustador. Tornam-se escuros e sombrios, com o passar do tempo, esses espaços que o mundo da sombra se ocupa em procurar pelo mundo, e em rechear assim que os encontra.
Desses espaços vazios, há aqueles que se observam e percebem ao longe. São provavelmente os piores. Porque se sabem vazios, e não se ocupam. Por determinação. Ou medo. Ou cegueira. Fincam-se os pés no chão enquanto se diz “meu”, e a vida segue em frente. Difícil saber ao certo – esses espaços não são os meus, nem são meus os olhos que observam e nada fazem.
Mas tenho em mim a construção destes espaços vazios. Como os espaços vazios de um amante que nada desse e tudo tomasse, do presente não pensado ao tempo todo roubado. Como os espaços vazios da escavação a peito aberto diante de olhos fechados, olhos sem umidade a interditar os encontros líquidos. Olho as mãos que tenho diante de mim, e às vezes, como agora, vejo o quanto querem salvar do espaço vazio uma gota que seja de luz. Desaparecem dentro dele, porque para tudo isso que é pequeno não há espaço onde se caiba, mas aí estão, e não posso negá-las, porque é diante dos meus olhos que não acreditam que as minhas mãos dançam a sua agonia convulsiva. E é de lá que as arranco, com a força do vento que me guia, antes que percam a pele, antes que percam o tato, antes que percam a mim mesma.
Estes são os espaços vazios da ausência de humanidade. Nem sempre são questão de merecimento. Às vezes, são pura provação.