Mais ou menos assim: chega-se a casa e abre-se o facebook. Querem-se notícias dos amigos que estão longe. Por que os amigos são o tesouro de cada dia que nasce. O sal da terra.
I. sente saudades de Goiás, e de uma Cora Coralina encostada às paredes gastas de sua casa. Lembro-me da crônica de uma viagem memorável e transcendente à cidade, e solidarizo-me com a saudade – mando-lhe o link, a ele que até já teceu comentários. Pode ser que lhe faça bem relê-la. A lembrança desse amigo lembra-me um jantar de polvo, anos atrás, o que me faz chegar até o congelador e retirar o prato cozinhado há algumas semanas, à espera de quem o degustasse surpreso, mas nem chegou perto. Penso nos polvos que me intimidaram bons anos e vejo este nessa lamentável situação de pedaço de gelo; a solução do medo de polvo foi, tempos atrás, cozinhá-lo e comê-lo – na companhia daquele amigo, o das saudades de Cora, que o mastigou comigo repetindo três vezes. Deu gosto, livrar-me de um medo atávico com companhia tão compreensiva. Hoje, nem preciso cozinhar, porque estava já tudo pronto: descongelo e como, digerindo cada um dos medos de hoje com os olhos postos na tela. Porque preciso dos meus amigos.
S. manda-me de presente a música que repentinamente compõe o céu que brilha lá fora, porque não dá mais, acabaram-se todas as expectativas irreais espalhadas à minha frente. É um alívio, entre uma garfada e outra, saber que o eclipse que por aí vem afetará todo mundo – é o amigo astrólogo que me tranquiliza, “não será só com você”, diz ele… Também K. aparece, e mesmo rápida e fugaz, me diz numa imagem que olho com olhos simples – venha: o retorno também virá.
A seguir é M., que envia uma imagem da lagoa das Sete Cidades, nos Açores – essa mesma que ilustra esta crônica. Num instante, catapulta-me para o passado. Revejo-me dentro das águas do mar dos Açores, a janela aberta diante do azul esverdeado que não tem fim, o silêncio e o cinza das pedras da casa ao meu redor. Não há sensação de segurança (o que é isso?!), mas de pertencimento. De saber que é ali e naquele momento que eu sou aquilo que devo ser, e que aquele que respira, ao meu lado, está e é. A janela acompanha-me a vida inteira, é através dela que olho quando me perco, quando me perdem, quando o engano é maior que a realidade e o coração bate aflito em busca de um qualquer sentido.
Lá está meu avô, dentro da janela de passado que abro neste instante, e nós dois com os pés dentro da água azul da lagoa das Sete Cidades. Conta-me a história da princesa e do pastor, história de amor negado, história das lágrimas que ambos choraram, tantas e por tanto tempo, que preencheram a cratera do vulcão – um lado azul, da cor dos olhos da princesa; o outro, verde, da cor das lágrimas dos olhos do pastor.
Estamos na pequena estrada que divide uma lagoa da outra, a estreita faixa de terra que separa as cores do amor. Os olhos do meu avô refletem o azul da água; num instante, que quase não percebo mas aceito, agarra-me a mão e me leva ao outro lado, onde é o verde que se reflete na bondade das suas retinas. Não há mais nada, só a mudança de rumo, o verde e a bondade. Não é preciso mais nada.
Respostas de 2
Talvez eu devesse ter comido aquele polvo?
ABL
Talvez – afinal, pra quem que foi feito, né?! Bjs, fica pra uma próxima!