A Páscoa despede-se devagar, aqui por casa. As suas marcas estão por todo canto, pequenas cruzes de uma penitência a que se dispõem as paredes. Amarrações cruas. A vida que será nova, por trás delas, agarra-se com ferocidade, para não se deixar cair, para poder erguer-se em colunas e vigas e paredes e tetos.
Não se queixam, as paredes. Deixam-se furar, atravessar, arrancar, despedaçar. Sem um gemido. Apenas o estrondo quando chegam ao chão. E depois só silêncio novamente.
As caixas de madeira agarram-se a elas presas por arames, prestes a receber baldes e baldes de concreto – areia, terra, cimento e água numa amálgama que aos meus olhos concretiza uma espécie de futuro. De forma ainda distante. Sobe-se e desce-se por andaimes e escadas, baldes a tiracolo, num esforço quase desumano de fazer erguer a sustentação da vida.
É domingo pleno de Páscoa. A água escorre pelas paredes machucadas. O que era só vazio, ocas colunas de ferro na projeção do espaço, recebe capa da madeira e verter de recheio. Endurece e cria forma. Amanhã, ou depois, ou depois, serão colunas de concreto diante de mim. E as cruzes poderão desfazer-se, arrancadas da parede que deu cria.