Espero que me permitam brincar um pouco com as palavras – talvez haja outros que, como eu, se aliviem do peso do mundo brincando com os nomes que demos às coisas, transformando-as, nesse ato, naquilo que elas são. Tenho imensa pena de meu dicionário etimológico não me ajudar em horas como esta. Quando não sei exatamente o que fazer com uma coisa, ponho-me a pensar sobre a origem da palavra que lhe demos na tentativa, às vezes ingrata, de a definir. Foi assim, hoje, com a palavra “segurança”. E como não comprei, na altura, o dicionário que me disseram ser o melhor (basicamente porque está esgotado e, quando se encontra em algum sebo, custa um dos olhos da cara), fico-me aqui com esse sucedâneo de etimologia que raramente me resolve qualquer dúvida. Hoje, como em outros dias, a frustração é a mesma. Nem me atrevo a oferecê-lo a alguém.
Resta-me, pois, apelar à memória. Lembro-me bem de que “segurança” tinha algo a ver com o “viver sem preocupações”. Confirmo, (salve google!), que essa é a acepção mais comum, conforme me ensinou alguma aula sobre Roma. Lembro-me também, porém, de que na altura levantou-se uma discussão que minha memória não registrou à exatidão, mas que estava ligada ao prefixo se unido à raiz cura. É da junção de ambas, se+cura, que deriva a palavra que hoje me atordoa. E também isso encontro, não sem algumas manobras radicais pela internet, que google é bom, mas não perfeito.
Reconfirmei que esse sufixo se normalmente dá, àquilo a que vai se juntar em latim, a sensação do “si mesmo”. Neste nosso caso, com essa cura ligada ao ato de “cuidar”, terminamos num inspirador, embora desnorteante, “cuidar de si mesmo”.
Se+cura. Uma sinapse a mais, e logo paro, ensimesmada com as possibilidades de relação entre as duas explicações. Sei por experiência própria que podemos até querer que a etimologia seja uma ciência exata, mas muitas vezes não é o queremos que acontece. Aliás, acho que raramente. “Viver sem preocupações” e “cuidar de si mesmo”.
Deixo cada um entregue às suas próprias conclusões, longe de mim chegar a qualquer uma que antes quero permanecer tranquila, mas não resisto ainda a juntar-lhe mais um prefixo, para dormir melhor. Lembro-me do nosso co, e assim obtenho algo maior, que tão bem vai se acomodar esta noite ao meu lado, tão persistente debaixo de meu travesseiro quanto o cheiro da lavanda que me ajuda nos sonhos.
A co-segurança que obtenho permite-nos (porque agora não sou só apenas eu, mas alguém junto, que co-o-que-quiser) um viver sem preocupações, cuidando de nós mesmos enquanto outros cuidam de si mesmos, enquanto aqueles cuidam também destes e estes daqueles primeiros. Uns cuidando dos outros sem a secura de um mundo sem prefixos, nem sufixos e nem amigos – como aqueles que vivem ao nosso redor, dispostos a atender telefones noturnos, acudir a sirenes disparadas, ouvir com carinho o desespero de quem se desespera e oferecer-lhe o que lhe parece possível, e levantar-se no outro dia com energia e ânimo para pensar-nos seres coletivos, em busca sempre daquilo que nos une. Obrigada a quem está acordado – mesmo que já tenha ido se deitar.