Acordei no meio da noite passada, acho que graças a um sonho que há muito tempo eu não tinha: acordo de repente e não sei onde estou. Literalmente – acordo do sonho e olho em volta e não reconheço nada do que me rodeia. Ou de repente até sei, variante da versão dominante deste sonho, mas tenho certeza de que não é o lugar onde devia estar. Se alguém desse lado leitor puder ajudar-me a interpretar estes sonhos, eu agradeço, porque (já faz tempo, mas) cheguei ao limite de acordar e não saber, durante bastante tempo, em que casa estava e com quem dormia.
Já me disseram que pode ser uma crise de sonambulismo, mas eu sei distinguir uma da outra, e percebo claramente que estou acordada, só não faço ideia de onde esteja. Num passado típico de adolescente, tive vários episódios de sonambulismo, daqueles que rendem boas anedotas para entreter tios e tias à mesa do jantar. As do meu pai, entretanto, sempre superaram as minhas, porque ele, já longe da adolescência, continuava sonâmbulo, atividade pouco adequada à sua vida diplomata. Num de seus acessos, que eram cíclicos e quando chegavam duravam alguns dias, estava ele em algum hotel de algum país. Acordou de manhãzinha, enroscado em si mesmo diante das portas dos elevadores do saguão do hotel, com o time de recepção de plantão à sua roda, pasmo, olhando aquele senhor de pijama xadrez roncando suavemente no tapete do hotel. O episódio garantiu-lhe uma popularidade invejável durante a conferência de turismo da qual participava, e foi notícia nos jornais da cidade. Bem humorado como era, divertiu-se às pampas com o fato.
Este sonho que me acorda hoje é daquele gênero que já me preocupa – nunca vem sozinho, prolonga-se por várias noites, e tende a um crescendo de intensidade que com certeza me garantirá horas e horas de insônia, metade delas à cata de explicação. Há dois tipos de insônia na minha vida: um, produtivo, em que me levanto e decido o almoço, a arrumação da gaveta, a solução para o problema poético que não se resolvia há semanas, a lista de compras que esquecerei ao entrar no carro, a organização das aulas da semana; outro, desgastante, que me faz rolar na cama com receio de adormecer de novo e certeza de devê-lo fazer, uma idiota sensação embutida de que a noite obedece às minhas vontades, e assim por ali fico horas de olhos fechados à força, sem conseguir dormir.
Este é o sonho que, por excelência, faz com que eu me vista com o segundo tipo. Imagino que seja porque parece que vivo em vez de sonhar; para sair do sonho, preciso levantar-me, ir até à cozinha, dar tempo à minha consciência de se refazer do lugar de onde vem. Aliás, não vem: cai, de tão abrupta que é a chegada. E logo decido voltar para a cama, rio sem jeito para mim mesma no espelho do corredor, balanço a cabeça num querer me convencer da grande bobagem de tudo isso. Mas é só me deitar, e me desconvenço, e a solução é tentar compartilhar a insônia com quem dorme a meu lado, e tem a santa índole de dizer que sim, que é verdade, ou não, como você quiser, agora deita aqui e dorme que ainda é cedo.
Uma resposta
Não sei o que dizer. Gostaria de ajudar a entender o que se passa com você quando surge essa espécie de "insonia rebordosa", mas não posso, por absoluta ignorância.
O que me ocorre, apenas, é que, como você mesma já reconheceu no texto, forçar o sono me parece inútil.
Se você fumasse, o que não é o caso, graças a Deus, te aconselharia um cigarro, como eu mesmo faço, de madrugada, na porta da minha casa, fitando letargicamente a noite escura. Às vezes funciona…