Temporada

Uma das coisas mais bacanas do inferno astral é a oportunidade absurdamente expandida de encerrar ciclos, preparar-se para o novo, resolver pendências, instigar mudanças, criar movimento. Eu gosto particularmente do meu, todo ano chego à mesma conclusão.
A vida não piora, no (meu) inferno astral. Muito pelo contrário. Com a sorte de ter nascido em dezembro, coincide a época de colocar a vida em perspectiva e olhar para os meses adiante com um olho nos meses que se passaram.
Semana passada, segredavam-me aquilo que todos sabemos de que “a César o que é de César”. No sentido de que, se a César se dá mais do que César consegue, ou merece, levar e manter dentro de si, algo de menos se dá a Deus, que é o outro lado desse binômio bíblico. E como Deus está em tudo, e tudo está em Deus, e namastê-o-deus-em-mim-saúda-o-deus-em-ti, resulta que, se demais se dá a César, de menos se dará a esse pedaço nosso que é o todo e que é a nossa origem, vocação e verdadeira essência divina. Inferno astral é um momento privilegiado para se perceber se o que damos a César assiste realmente a César. E corrigir a rota, e dar a quem é de direito o que lhe pertence.
No estado de sensibilidade alterada, de uma capacidade perceptiva interna mais alimentada, como são essas semanas de inferno astral, as coisas que nos afetam, ou nos desafetam, tornam-se mais nítidas. Se os deixarmos, os insights farão visitas frequentes. Teremos presentes dos céus em forma de reencontros inesperados.
Nesta madrugada, escrevo porque está particularmente difícil adormecer. Tenho a impressão de ter o corpo cheio de estrelas, tremeluzindo através de cada poro. Fico encantada, e não durmo. Na escuridão do quarto, brilho. E me pergunto se este brilho em mim estará brilhando em outros também.
Sei que sim, e por isso também me ponho a escrever. Porque talvez aqueles que originaram esse brilho, um pouco incautos porque não têm a sorte de estar em seu inferno astral, estejam desconcertados, e não saibam de onde vem esse sentimento que de tão plácido não permite o sono.

Pois bem: foram os abraços. Aqueles frequentes, aqueles deliciantes, aqueles reconhecedores, e os desconhecedores também, mas sobretudo, e muito, aqueles que quase ficam pelo caminho, com cara de tropeço desagradável, e de repente se retomam. De repente abrem-se os braços e os outros braços estão ali abertos também, num acolhimento mútuo que enche os olhos de lágrimas. E o que se sente faz-se carne, e logo a seguir estrela, e cá estou eu que não consigo dormir por causa de um abraço.

Porque, descobri às vésperas de entrar neste paradisíaco inferno astral, sou como estrela em busca de constelação, e em dia em que os constelamentos brotam como água de mina, eu só posso mesmo é querer ficar acordada e ver em mim, nítido como um girassol, o que fazem os outros quando se abrem, inteiros, a um abraço de corpo, alma e espírito.
Foto: Ana, de árvore ibirapuérica

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