Disseram-me ontem que quase-que-estou virando paulistana. Talvez porque, onde chego, falo do trânsito. Ou da reportagem da CBN, que aparentemente meus companheiros também ouviam no caminho. Ou porque me divirto avaliando a probabilidade concreta de chegar ou não na hora esperada, já desistida de me inquietar ou irritar com coisa tão elementar. Começo a descobrir com razoável facilidade se meu caminho é fluxo ou contra-fluxo. Já sei que trechos de pontes das marginais evitar às nove horas da manhã. E qual avenida eliminar do itinerário por causa das obras. Enquanto os pés dançam entre acelerador e freio, a mão escapa para tirar uma foto ao acaso. Querendo reter a beleza escondida por trás da água e do cinza, pendurada nos fios que enfeiam ou enobrecem a cidade. Como sempre e em todo lugar, o que faz as coisas mudarem é a perspectiva com que se observa.
O fato é que, não me sentindo quase-que-paulistana, gosto do que vejo quando cá/lá estou. Gosto da garoa, gosto do movimento, gosto de cada pedaço que preciso descobrir para ir de um lado ao outro. De Franco da Rocha ao Tremembé, do Parque Novo Mundo à Granja Julieta, de Taboão ao Morumbi, são quilômetros, braços dados com trabalho, oferecendo-me a cidade que ainda não conheço, longe da República, do Arouche, da São João, da Teodoro, de Pinheiros e da USP que me são familiares. Afasto-me dos espaços que já me foram casa e paixão e descubro novos recantos. Como essa casa de chá em meio à Chácara Santo Antônio, ruas e minutos antes do horário do filme de logo mais no Lumiére.
A Teakettle, chama-se a casa de chá, já fechou. Fica na rua Alexandre Dumas, 1049. Não quero, e nem minha companhia quer, perder a viagem que nos trouxe – tocamos a campainha e mesmo fechada a casa abre-se, a água ferve e o chá aparece. Friozinho de começo de noite em São Paulo e um bule de chá na mesa redonda. Paredes forradas de simpatia e à vontade, um oásis repentino assim, de mãos dadas com o burburinho lá de fora. “Ainda bem que vocês vieram, assim sei que tenho uma companhia” – dona Silvia, a proprietária, diz-se feliz de lhe interrompermos o descanso. Não há como não sorrir e encher as xícaras e recostar-se na cadeira de palhinha. Ao longe há um eco de poema, mas o longe é dentro, aqui guardado onde decidiu construir-se, nítido e forte como cada milímetro desta cidade tão grande e que, num instante, cabe dentro de um bule de chá. Ou de uma gota de chuva com sabor de saudade imensa.
A casa de chá tem um site!
Respostas de 5
K na foto! 🙂
Ana, adorei conhecer o seu blog e saber que tb gosta de blogar!Nossa cidade aparenta frieza, mas pode ser muito acolhedora.Uma perspectiva adorável da cidade!bjs,
Ai, me senti lá, na cadeira de palha da mesa redonda, tomando aquele chá maravilhoso feito pela Silvia!Já lá estive em outro tempo chuvoso e frio, também em boa companhia.
Obrigado de um quase-que-paulistano com saudade imensa de tantos lugares, mas feliz por estar aqui…
Gustavo Costa
Minha cidade – eu sou paulistano – cabe em um bule de chá, em uma xícara de café, em um buraco existente em uma das calçadas da rua Líbero Badaró, na solidão da Dona Silvia, no empenho humano de cada ser paulistano em correr, correr, correr, e ainda assim ter algum tempinho para aprender a amar, a compartilhar, a socorrer! Aninha, obrigado por fazer parte da paisagem da minha cidade! Beijo e apareça na mooca sempre que quiser! Você sabe que lá tem uma casa paulistana que também é sua!