Tudo começou com um Ê do lado de dentro, hoje, logo ao acordar. Atrás desse Ê vibrátil, desdobraram-se a partir da nuca, num lugar que vou chamar de “atrás da garganta”, dois emaranhados de letras: elaborar e elucubrar. A alma em processo de retorno à matéria procura seu espaço, nessa povoação de outros seres que encontra ao voltar, e atravessa-me como forma de imaginar. Tenho trabalho pela frente, sei que penso um segundo antes de levantar. Ê permeia o dia inteiro, suave canto de alguém que se aproxima.
Volto a meio do dia em busca do Ê. Do que o explique. Sinto-o em formação dentro da boca, batendo-se como um barco contra os dentes e logo a seguir contra as paredes de carne; reflui pela longa caverna que é a boca. Um eco de som dentro dessa gruta, um cruzamento abaixo do céu da boca. Deve haver um homem sábio dentro dela, penso, talvez seja através dele que esse Ê se prolongue e me alcance. Os nervos que se cruzam por todo o corpo, os trançados de músculos quase encruzilhadas, todos a um só tempo respondem: Ê-ê. O coração vibra vida, o pensamento perde a neblina, a ação dirige-se certeira. Os índios Tubuguaçu diziam que é aqui, na altura da garganta onde este meu Ê vibra, que a alma se torna livre. A mesma garganta que se contrai, se abre, deixa o outro passar, acolhe-o numa doçura de nuvem prestes a chover. No Ê vibrante desse lugar tão interno e sensório e primitivo, nasce a parte de mim mesma que me faz mais humana. Como encontrar o amante do mundo do espírito.
Em seu desdobrar-se ao longo da tarde, Ê torna-se elaborar. Aquilo que, de laborare – o trabalho, a labuta, o esforço, a luta -, só por causa desse Ê que vibra em mim, se transforma em tomar cuidado, em atender o chamado. Elaborar, essa coisa que pensamos fazer quando pensamos em algo e lhe conferimos significado, é antes de mais nada ter e tomar cuidado. Tudo o que é frágil, tudo o que é forte, demanda cuidado. Ê vibra em mim demandando cuidado.
Respostas de 2
que linda Oyá…vc percebe que o seu "Ê" é o som do vento?
Ê