Esta não é a Carta da Semana, mas a Carta do Dia – a Carta do Dia das Mães, e o Cinco de Copas é o arcano que o Tarot nos oferece diante deste dia. Cinco Copas transbordantes e doadoras, receptivas e em entrega, em multiplicação e sacrifício. Fazem tudo isto porque são, conforme me ensinou ontem um de meus filhos, o futuro ancestral. O ofício paradoxal e sagrado de tornar-se e vir-a-ser mãe.
Como acontece há muitos meses, meus primeiros pensamentos do dia viajam até o Oriente Médio, até Gaza. Penso hoje, na verdade penso quase todos os dias, em suas mães, nas tantas que vejo passar pela tela do meu celular, já incontáveis. Mães recolhendo pedaços de seus filhos, mães buscando o rosto dos mais novos e dos mais velhos por entre as longas fileiras de mortos, mães escrevendo os nomes de seus filhos em seus braços e pernas para poderem ser reconhecidos quando abatidos, como ovelhas, como carneiros, como cabritos a quem se corta o direito de cabriolar pelos campos. Mães que tiram de si para alimentar a fome, para aplacar a sede com dois dedos de água, mães que choram e suplicam e tornam a chorar e gritam e gritam de novo, entregando às esferas divinas a sua sorte e o destino de seus filhos. Mesmo tendo enterrado no fundo de uma funda cova o sorriso e o olhar de uma filha, não o fiz em meio à barbárie e à ignomínia, e isso me aproxima e me afasta ao mesmo tempo, e eu me dou ao direito desse tempo diário, um tempo que escolho dia após dia ser de contemplação deste desastre e desta desumanidade sem fim, como sua testemunha não silenciosa.
E é deste lugar que chega este Cinco de Copas, estas Copas que de repente me acompanham na madrugada deste dia das mães, e que se tornam eco de tanta desilusão, tanta decepção, tudo sem véus, sem travas, sem segredos, sem o pudor de poder não ver o que não deveria existir. Cinco Copas transbordantes da terrível realidade fora da ilusão. Não há fake news que se sustentem diante de um Cinco de Copas.
Como seria possível festejar o dia das mães, no dia de hoje, sem prestar reverência profunda e comovida a todas as mães do mundo, de Gaza ao Congo, da Etiópia ao Sudão, que enterram e perdem seus filhos em meio à guerra, ao genocídio, ao deslocamento forçado, ao bombardeio, à invasão, ao abuso e ao saque? Como seria possível sentarmo-nos calmamente à ponta privilegiada desta mesa imensa e desigual, da qual mal conseguimos distinguir os lugares mais distantes, e conversarmos amenidades, sem fazermos um minuto sequer de silêncio por todas as mães que ensacam e abraçam crispadas os corpos sem vida de suas filhas e filhos?
Que este dia das mães nos tire as vendas dos olhos, e nos humanize. Nos torne seres mais maternos, abertos, receptivos, compreensivos, inclusivos e bondosos. Que este seja o dia em que elevemos os nossos cantos e os nossos brindes, e permitamos que ecoem até os lugares mais recônditos deste quase agonizante planeta, e que neles embalemos todas as mães que dão a vida por seus filhos e filhas. E que esse seja um canto belo e livre, como qualquer mãe sabe ser, e que haja jogo, movimento e humor.
Que possamos honrar as nossas mães, todas elas, e que possamos diante delas honrar as que vieram antes e as que virão após os nossos passos terem se perdido na areia. Que possamos honrar as mães que somos, e que apliquemos a nós mesmas a mesma dose de compreensão e compaixão que aplicamos ao resto. Que diminuamos nossas afrontas internas, nossas cobranças, nossa incansável necessidade de dar atenção ao que não a merece e nos esquecermos do que realmente vale a pena, que é vigiar o sono e acordar a vida de nossas crianças. E que possamos encontrar no olhar e na mão estendida das Mães Divinas, da Grande Mãe que é esta Terra que nos abriga, a força e o sustento da fé, e que esta não nos falte, porque é dela que se faz o milagre diário de qualquer mãe.