Confissão de fim de julho

Posso agora confessar, terminado o mês de julho, que nada mais fiz, para escrever as 16 crônicas deste mês, do que seguir os conselhos do organizado e ortodoxo Saramago. No aconselhamento que fez (e não só a mim, esclareço, que eram vários os pomposos “jovens escritores portugueses”, para que ninguém pense que posso me dar ao luxo de manter alguma espécie individual de correspondência com um prêmio nobel), contou do seu próprio processo de escrita. A sua sólida formação comunista (que imagino austera, circunspecta e metódica), rendeu-lhe uma disciplina que ele aplica há anos à sua própria produção: todos os dias, um x de páginas, à mesma hora, no mesmo local, 365 dias ao ano. É assim que ele melhor produz, a sua maneira de escrita. Há ainda alguns detalhes sobre a vista da janela, a posição da mesa, o instrumento de escrita etc., que não vêm ao caso porque não estavam dentre os conselhos dados que me pareceram relevantes. Já o da meta da quantidade, sim. O básico, mesmo, eram as x páginas por dia, sobre qualquer coisa, que poderia depois ser (ou não) lapidada, recortada, cortada, acrescentada, mexida, eliminada, reconstruída, multifacetada, fundida etc etc etc.

Eu juntei esses conselhos a outros que li, uns que Manuel Bandeira deu a seu tempo a João Cabral, dizendo que o que escrevemos é pra ser lido, senão pra que é que é escrito, faça o favor de publicar seus poemas. Alguém mais já disse a mesma coisa, mas minha memória que se sabe fraca esqueceu. E eu posso esquecer mesmo, porque isso faz todo o sentido do mundo, e é a mais pura verdade. As teorias literárias da recepção e do discurso estão todas aí dizendo igual.

Confesso, portanto, que nada mais fiz este mês do que seguir os conselhos do amigo Saramago, e por isso a avalanche de crônicas neste alobairro, vítima perfeita dos meus ataques (um tanto obsessivos, disse-me alguém antes de viajar para as terras do meu amigo Abdib) escriturescos. Juntei ainda uma outra, e com ela fiz algumas experiências, que ainda preciso digerir sem somatizar: não ler. Não ler nada. Para quem começou o caminho pela limpeza de uma biblioteca, não deixa de ser curioso. Mas o fato é que, comparado a todos os meus julhos desde que fui alfabetizada, neste eu não li praticamente nada, fazendo-me virgem para a minha própria escrita.

O saldo, para mim, é positivo: a escrita brota agora absurdamente loquaz; os assuntos de hoje ligam-se poderosamente a outros do passado; transformo meus demônios todos em matéria digerível; decomponho todas as minhas neuroses; afino um pouco das minhas frustrações (aliviá-las acontece melhor em verso); falo de outros sem falar deles; tenho imensa ocupação nas minhas noites de insônia (acordo com 2,3 4, ideias para crônicas na cabeça e não durmo mais com medo de perdê-las; escrevo-as e adormeço placidamente); e descobri que um que escreve tem o poder de acordar os outros na escrita. E essa é com certeza a melhor parte, se eu tivesse de escolher uma delas. Como não tenho, fico-me com todas.

Agora, vida normal de volta ao campo de visão, pergunto-me como farei. Não posso (ou não quero?) perder o que conquistei, mas precisarei mudar tudo aquilo que gerei pós-conselhos saramaguísticos, e que agora identifico como o positivo do saldo, talvez erroneamente, mas é o que consigo hoje. Os horários não poderão mais ser os mesmos, aliás eu serei ainda menos dona do meu tempo, mesmo que pareça o contrário. Como farei para encontrar esse estado mental parecido ao vácuo, em que permito que o passado, o presente, os demônios, as confissões, as palavras, as insônias todas, não só as da noite, se encontrem e se amalgamem? Como conseguirei que nesse movimento me reconstruam a cada encontro, espécie estranha de auto-terapia que se parece com o que uma amiga querida chama de “strip-tease da alma”? E, por outro lado, como farei para não o fazer? Como é que vou conseguir fechar os olhos e decidir que isso que se apresenta como caminho fique à espera, num standby de luz vermelha que aumenta o gasto de luz sem de verdade iluminar nada? E só ficar à espera?!

Confesso que tudo isso hoje me atormenta, mas a simples menção ao tormento, aqui, alivia-me dos meses que se avizinham volumosos. Não resolve, apenas alivia, mas assim posso ainda dormir um pouco, antes que amanheça. Hei de perguntar ao Saramago como é que ele faz para resolver as suas crises de inadequação ao mundo.

Uma resposta

  1. Cara Ana,

    Já me habituei a chegar no trabalho e, antes de começar as tarefas diárias, ler suas crônicas.

    Trata de arrumar tempo e continuar escrevendo muito, que sua literatura tem me ajudado a inaugurar meu dia alegremente; com a sensação que tudo está vivo no meu entorno.

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