Das caves

Durante boa parte da minha vida, as caves tiveram espaço e tempo para existirem e se transformarem em parte do meu sangue. Fossem as caves onde se guardava a safra de maçãs ao fim do outono, fazendo o ar rescender a algo acidamente doce que eu nunca consegui descrever nem reproduzir, fossem as caves cheias de blues, ou fados, ou vinhos – esses espaços úmidos, às vezes bolorentos, com o cheiro característico das coisas engavetadas e levemente esquecidas pelas mãos do tempo, são-me às vezes cruelmente ausentes.

Nesta semana que se acabou, sorte das sortes, fui convidada a uma cave. Daquelas coincidências que não devem receber esse nome, o convite chegou-me e eu abracei-o, tão inesperada e inexplicavelmente um quanto o outro. Já se passaram alguns dias, e não queria ir hoje deitar-me, mesmo sendo quase já tarde da noite, sem agradecê-lo, e sem registrar de maneira incompleta e provavelmente incapaz de ser transformada em palavras, os mil sentimentos que me atravessaram durante essas horas.

O mais forte de todos me faz agora fechar os olhos e visualizar diante de mim, como numa retrospectiva feita da luz dançante das velas e da cor das paredes caiadas com a cor da terra em volta, a imensa capacidade nossa de olhar para o outro sem precisar de defesas, olhar para o outro descortinando um pedaço daquilo em que podemos tornar-nos, se permitirmos tão somente que o outro nos adentre e possa transformar-nos em algo muito maior do que conseguimos ser sozinhos. Ser mais, e melhores, porque os outros estão em nós, e porque os outros permitem que estejamos neles, sem que se sintam ameaçados de que nem a nossa entrada os anule a eles, nem eles a nós mesmos.

Sermos um, e ao mesmo tempo o outro. Estarmos em nós, e ao mesmo tempo no outro. Não sei o quanto de devaneio terão estas pequenas linhas na madrugada, mas certamente irei dormir mais tranquila porque afinal não estive errada nas horas em que pensei que sim: que podemos ser um e o outro ao mesmo tempo, que podemos dar-nos e receber na mesma medida, num encontro em uma cave que nada me dizia de antemão (cega e surda que sou) que tal sentimento pudesse brotar-me, sem que eu precise perguntar-me agora de onde ou a que vem. Isso não importa, porque o que importa é o que é, e não o que eu penso do que é.

Os companheiros desta cave são todos diferentes uns dos outros. Diferem na maneira de falar, diferem na maneira de olhar, diferem na maneira de sentir e perceber. São todos improváveis encontros, distanciadas concentricidades da vida. Ainda assim, e justamente por causa da grande improbabilidade, das histórias, da vida, do mundo diferente, abrem-se-lhes os braços invisíveis aos olhos, e eu percebo-os a todos irmãos, a todos colegas de caminhada em meio às lianas da vida.

Nada de mais até aqui. Tenho a tendência a ver companheiros assim ao longo dos dias, e às vezes perco-me em tentar saber onde foi mesmo a encruzilhada em que virei para tão longe que não lhes vejo mais sequer a sombra.

Mas não nesta cave. O que aqui, à meia luz das velas e das paredes seculares que nos abrigam, se ilumina, são os dias que nos aproximam, e não os que nos afastam. Atacam-nos os nossos pontos de encontro, as nossas possibilidades de sermos plural, e somos arrastados pelos redemoinhos desse rio caudaloso do convívio sem defesas.

O milagre improvável daquilo que estava no script que perdemos, consubstancia-se imenso e terno, e uma cave, escavada com meticuloso louvor às coisas de Deus tornadas visíveis pelas mãos humanas, faz tudo isso brotar, na sua umidade e no seu bolor, que nada mais são do que aquelas curvas da nossa alma às quais fugimos por não querermos que nos digam que somos diferentes daquilo que achamos – e tão exatamente iguais àquilo que sonhamos vir a ser.

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