Despedidas – I

porque
“as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão”*
(I – porque a vida demanda tempo e palavra para qualquer verdadeira despedida)
Foi agora mesmo, fim de madrugada. Levantou-se um vento diante da minha janela, um vento que pareceu nascer nas profundezas do chão e içar-se pelos troncos das árvores, agitar-se nas folhas e estender-se por sobre o teto da minha casa. Como uma mão que acenasse um adeus ainda prematuro, um presságio em forma de anúncio, um sinal de advertência; uma mão que duvidasse entre a separação e o distanciamento e o manter-se linha de pesca que suporte os quilos da distância, a pressão da saudade, o cimento preciso para alicerçar a continuação do caminho.
As madrugadas costumam colher-me grávida de palavras que descem sorrateiras pelo meio dos meus sonhos. Nos últimos anos, tenho me levantado a meio delas, para aprender que correr à escrita é o alívio de alma que me inicia. Perco horas de sono para ganhar horas de vida. Uma vida que reconheço, com a ajuda dos leitores do que resulta de tudo isso, na palavra que escoa de dentro de mim e se transformou, num pouco a pouco perseverante, na maior razão e tarefa de ser o tempo que sou.
O vento desta madrugada acorda-me feito um sacramento. Faz-me levantar, escrever e fechar os olhos. Ouvir no silêncio entrecortado pelos primeiros galos e pelas últimas cigarras um mundo que se liquefaz perante meus olhos, enquanto dinâmico e vivo se solidifica para outros. E eu preciso acreditar que é assim, a vida, as idas e as vindas como sempre dizemos, especialmente quando precisamos mudar em direções para as quais temos mais certezas que dúvidas. Não sei qual dos pratos da minha balança pesa ou se torna mais leve. Assim que acho que é o da direita, percebo que é o da esquerda, e em pouco tempo me dou conta de que a minha balança tem muitos, muitos pratos, e por todos eles dou graças e sorrio, ainda que me doam, e porque seu peso e leveza permanecerá por muito tempo em mim, ainda e porque tantas coisas.
Vários anos atrás, poucas horas depois do nascimento de um dos filhos que respirou pela primeira vez dentro das paredes desta casa, um coral de vozes surgiu do meio do escuro para cantar o recém chegado, como uma brisa que chegasse de mansinho e se instalasse à entrada da vida. Abri a porta devagarinho, sequer pude articular palavra. Agora que o dia começa a raiar lá fora, fecho a porta uma última vez; devagar, como naquela outra noite; ainda ouço em meus ouvidos a música de louvor aos que chegam de novo, a cada dia. Que este seja um bom dia.



* “Memória”, Carlos Drummond de Andrade

3 respostas

  1. Ana, suas crônicas me acompanham e embelezam o meu cotidiano assim como um singelo vasinho de prímulas que durou vários dias a enfeitar o início da nova etapa de nossas vidas.
    Que o meu profundo carinho chegue até você e te seja companheiro na nova etapa de sua vida.
    Sheyla Ferraz

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