É preciso ler os poetas debaixo d’água

Não é minha a frase do título, mas calhou-me ouvi-la ontem de manhã, e ficou assim, a bater-me no cérebro até agora, noite fechada e silêncio completo em tudo. Acordo com essas sete palavras à flor da pele, e de tão enrugada sei que estava de fato debaixo d’água, tentando decifrar tudo o que flutua embaçado à minha volta. Acordo num pulo, saio da água e o que escorre do meu corpo são palavras, as dos poetas que estavam no mar que me submergia. As palavras do dia de ontem sobressaem-se e escorrem com mais rapidez – o magma incandescente invadiu-me a noite, e são os relâmpagos que me acordam, o corpo de repente sem mãos sossegado pela batida das palavras. Procuro o lugar em que este pânico obtuso se implantou dentro de mim, mas o que resulta é uma desconstrução aflita do que ainda não foi. A culpa de tudo isto tem nome e sobrenome: Luis Serguilha.
Luis Serguilha não é um poeta comum, nem está perto de o ser. Com a bandeira da própria estética levantada, mantém-se fincado à proa, seja lá que ondas o atinjam pelos flancos. Fala de cavalos sonâmbulos como se os alimentasse diariamente, e os cavalgasse sem rédeas nem sela, sentado só na fissura de si mesmo. Não é fácil lê-lo, nem deveria sê-lo – não lhe é fácil o escrever-se.
Na rápida visita que fez a Botucatu, Luis desassossegou e acelerou – propôs leituras várias a partir dos textos nas mãos, invadiu sem decência e sem decoro os frutos alheios, deu-lhes cores, entranhas, posições no espaço diferentes das que se mostraram. Num jogo, sugeriu o texto por detrás do texto, dentro do texto, a comer-se pelo texto afora. Mastigou as próprias sílabas até chocar os ouvidos cansados e convidá-los com urgência ao desligar de todos os geradores de energia pensante.
É urgente agradecer a quem plantou o Luis esta manhã em nossa cidade, a brandir um livro cor de sangue nas mãos como se da sua própria âncora de salvação se tratasse. Uma âncora leve a fazer-se pesada, só para que não nos enganemos e pensemos que a cicatriz se fechará sem dor, antes que retiremos de dentro da ferida o punhal com que a abrimos a cada dia. É urgente agradecer-lhes, porque o desassossego é fértil, mas precisa ser provocado; é útil, mas precisa ser lembrado; está aí fora sempre, mas é preciso quem o convide a entrar. Ontem, houve quem o convidasse – assim aconteça mais vezes.
A propósito da oficina conduzida pelo poeta português Luis Serguilha, na manhã do dia 2 de abril de 2011, na Secretaria Municipal de Cultura, em promoção da ABEM. Agradecimentos especiais à Vera Ravagnani, à Carmem Lúcia da Silva e ao Osni Ribeiro.

4 respostas

  1. Ana,
    é bom conhecê-la, neste momento! Poder saber das reações e dos significados que a visita do poeta lhe provocou é muito bom, faz-nos bem. Gostei, também, de ouví-la dizer que, para você, as coisas não eram tão complicadas como a proposta do poeta. De fato, a presença de Luís Serguilha foi instigante, provocativa e, por isso, construtiva. Confesso que, talvez como a maioria dos que estiveram com ele, pouco entendí do complexo discurso, mas, mesmo assim, sentí-me desafiado a decifrar a sua essência. A idéia de que se deve ler os poetas debaixo d´água é poderosa. Obriga-nos a conversarmos conosco mesmo, com nossas verdades, com nossos limites. Pode ser um caminho para a descoberta do estilo, a própria palavra. Da oficina, ficou-me, também, o depoimento do Chico Assis de Mello, que conhecia Seguilha há anos. Disse ser ele, além do mais original poeta português contemporâneo, uma pessoa generosa. Por isso tudo, cocluo com uma frase que Chico Buarque, quando nos idos de 67-68, em tensão com os tropicalistas, Caetano, Tom Zé, Augusto de Campos, Décio Pignatari e outros, ao ser chamado de vovô e passadista, pelo seu estilo e perfil ideológico, disse: "nem toda loucura é genial, como nem toda lucidez é velha". Abraços, Luiz.

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