Os moldes, para quem não sabe, servem para reproduzir qualquer coisa com exatidão e em grandes quantidades.
Para peças que precisam de reprodução muito fiel, o processo de moldagem a vácuo é o mais indicado, superior a outros tipos de moldes, feitos de madeira ou de epóxi. O vácuo, sabe-se, é um processo de grande utilidade na reprodução mecânica das coisas. No vácuo, molda-se qualquer coisa, até pensamentos. Com a vantagem de nem se sentir a sua presença. E o pior é que, sem vigilância, o vácuo toma conta.
Com toda a razão, dizem o livro e o filme, há infinitos maiores e menores. “A culpa é das estrelas” é um infinito pequeno que nos emociona porque poderíamos ser nós mesmos, nosso amigo, nosso vizinho, nossa irmã. É um infinito ínfimo que nos aprisiona na nossa pequenez, nessa coisa miúda em que nos tornamos quando o que vemos diante dos olhos é o que podemos perceber possível na nossa própria vida. Assim, meio pasteurizado.
É como comida mexicana nos Estados Unidos ou japonesa entre nós: adaptam-se os sabores ao paladar do lugar, para que nada espante ou desagrade. Em vez do sabor exótico, forte, algo que nossos sentidos reconheçam como conhecido, e não precisem trabalhar em si nada de adaptação – muito menos de por-se a perceber se gosta ou não gosta disto que é tão diferente, e não apenas parece. Essa pasteurização que vejo desfilar na tela à minha frente, essas imagens da dor sentida até o ponto em que seja suportável pela audiência que se identifica, desagradam-me. Desagrada-me o título que vende milhões nas livrarias: finalmente, então, temos a quem culpar. Ô alívio.
Juro: desanimo. E porque desanimar-se é perder-se a alma das coisas, é deixar de estar-se inteiro onde se pisa, escrevo. Porque não me quero gente sem alma perto de ninguém, e parece que o escrever re-anima a vida em mim, e eu me retomo nas mãos.
Por-se a pensar com sua própria cabeça? É infinitamente mais fácil deixar-se moldar. Mais fácil emocionar-se com as estrelas do que sentir ao lado da pele as dores do radicalismo mundo afora, e das arbitrariedades mundo adentro. No afora do mundo, o sofrimento que torna a vida impossível para milhões que não têm a sorte de uma tela onde seus dramas comovam as massas. No adentro do mundo, esse desfile nu e cru de arbitrariedades, bem diante dos nossos olhos, atrás da porta do nosso vizinho, na calçada do nosso lado da rua. São a população do semáforo da esquina de casa, e nós preferimos a anestesia em qualquer das suas múltiplas formas. Vamos nos moldando. Cedendo aqui, cedendo ali. A alma enfraquece-se, e cede. E sem que se saiba como, a possibilidade de indignação é agora uma quimera, e a vida perde peso, consistência e verdade.
Talvez fiquemos, diante da tela, com a sensação de sermos pessoas basicamente boas: a emoção diante desse drama tão próximo, tão possível, é um afago em nossa alma, para que o disco interminável e insufocável do sofrimento humano se esfume e, de tanto girar, se torne branco e indistinto. E desapareça. E nós fiquemos em paz. Até porque, afinal, a culpa é das estrelas.