Neste primeiro domingo de Advento, abro a Folha sem grandes esperanças. Embora seja jornal de domingo e há anos eu goste dos jornais de domingo, onde seja, na língua que seja. Mesmo que metade da sua massa seja de anúncios classificados, as análises literárias tendem a aparecer nesse dia, assim como as resenhas que muitas vezes orientam onde gasto meu dinheiro, os cronistas e articulistas que se publicam aos domingos e só aos domingos… Entre outras coisas.
Vou direto, normalmente, aos cadernos que prefiro; além da Ilustrada e da Ilustríssima, o Cotidiano. Provavelmente porque seja aí que encontre, via de regra, o dia a dia das pessoas que se querem comuns, aqueles dramas pequenos cortando vidas simples em pedaços complexos. Abro o caderno de trás pra frente, que é como gosto de ler jornal: passo os olhos pelo percurso inverso de quem o montou, divirto-me lendo primeiro o que o editor quis que se lesse por último. Longe de exercer meu direito a ser do contra, mais perto da vontade de querer nortear-me eu mesma nas minhas escolhas.
Enfim, vou lendo. Descubro, na página 7, que esta é a última semana da coluna impressa do Gilberto Dimenstein. Ouço aqui ao lado, assim que comento o quanto gostei, que é controverso, olha lá… Mas o sujeito escreve realmente bem, num tom de despedida sincera e emocionada num texto da estatura dos seus melhores. Serendipityé o mote da sua gratidão pela Folha e pelo espaço que pôde ocupar dentro dela, o mote para a breve revisitação da própria vida: os prêmios coloca-os a um lado; a outro, o “encanto de transformar o acaso em aprendizado”, e isso é serendipity, a sua “palavra mais bonita”. Demoro a retomar a leitura e a descobrir por onde anda esse sujeito que ajudou a adolescente Esmeralda a colocar em forma de livro a sua vida dentro do crack, leitura que compartilhei com muitos alunos que ainda hoje se lembram dos seus relatos cáusticos e ásperos. Demoro a chegar ao final. E o final é na verdade o princípio, aquilo que gostaria de dizer a quem está, como Gilberto, de partida: “para viver experiências, sempre estamos nos despedindo de alguma coisa de que gostamos”.
E para garantir que eu não me esqueça de levar a mensagem adiante, antes mesmo de agarrar em um dos cadernos que povoam a minha mochila, retrocedo duas ou três páginas e quem me sorri do outro lado na negra tinta de gráfica é o poeta Sergio Vaz, em mais uma surpresa que vem me nutrir este início de Advento que apenas inicia. É com apreço, com encanto, com admiração que gosto desse homem. O seu sorriso largo, que não está na foto mas na minha memória, vai atravessar-me, tenho certeza, o dia inteiro.Um sorriso de Morte e Vida daqui a pouco, um Severino feito tarde de chuva que não veio, uma voz a levantar-se na planura da vida pra gritar tão alto, de cima da laje da sua/nossa/de todos Cooperifa, que quase consigo ouvi-lo daqui, tão longe da agreste periferia paulistana:
No caminho do crer e não crer
Vivo na dúvida do milagre
Entre as brumas da uva e do vinho
Sou eu quem destila o vinagre.
Vivo na dúvida do milagre
Entre as brumas da uva e do vinho
Sou eu quem destila o vinagre.
Caminho no chão em busca do céu
Num fogo e água que não tem fim
Porque
Não me esforço para acreditar em Deus
Esforço-me para que Deus acredite em mim.