Estou à procura de pessoas que respirem com o mundo. Pessoas que partam do princípio de que não há coisas estabelecidas que são por definição imutáveis, a reboque de regras inquestionáveis. Pessoas que abram os olhos e os ouvidos, e que permitam que os sons e as cores dos outros entrem sem as máscaras de todo dia, que se mesclem e se enriqueçam. Pessoas que não só se disponham a respeitar as diferenças, mas que saibam que nem sempre é fácil reconhecê-las, e se esforcem por isso em fazê-lo. Pessoas para as quais importe mais a extensão do mundo possível do que os muros e as cercas que o restrinjam e tornem a vida impossível.
Estou à procura de pessoas cujos tempos e espaços sejam mutáveis e flexíveis, que se queiram, essas pessoas, que se encontrem, movidas pela vontade de conhecer mais e melhor, e não de se segmentarem em lugares, e dias, e horas, e possibilidades pequenas, momentos do se deve e do não se deve aprender, ainda. Pessoas sem cartilha, nem dogmas, nem crenças às quais se aferrem, pessoas com vontade de questionar as próprias convicções quando chamadas a isso, e que me ajudem a lembrar-me disso, caso me esqueça, o que acontece quase sempre mais de uma vez por dia.
Pessoas que se posicionem com força e veemência quando é preciso, e que saibam exercer todas as suas funções – da pedagógica à política, que vem a ser a mesma, da culinária à astronômica, que também não anda uma longe da outra – sem serem ingênuas, mas plenas de boa vontade e de amor e respeito pelo outro, nada mais que o reflexo do espelho interno.
Pessoas que sejam o que dizem ser, e que queiram ser aquilo que dizem ser quando não estão sozinhas, que não se escondam atrás da regra, do imobilismo e de todas as desculpas que impedem que se avance, que se fale, que se aposte no presente como semente do futuro, e não como depositário do passado.
Também estou à procura de pessoas que tenham se afastado perigosamente de si mesmas, decidido aventurar-se pelos caminhos de agradar a todos, sem agradar mais a si próprias. Pessoas que tenham decidido entregar nas mãos de outros, sem se saberem irresponsáveis, os rumos de si próprias, acabando por apoiar-se naquilo que outros disseram para viver a própria vida, preocupando-se mais em julgar o outro do que em observá-lo. Pessoas que tenham decidido esterilizar-se e impermeabilizar-se à dor, à agonia e à salvação alheias e que de repente se incomodem com a própria pele e sintam dentro de cada poro a inquietação do que se quer melhor. Em momentos de vida assim, bastou-me um gesto, uma palavra, um primeiro passo que cumprisse o milagre de decidir diferente tudo ali, agora, hoje. Porque nada mais espera que abramos os olhos na lentidão do sonho do éden, porque o mundo inteiro muda porque nós mudamos, porque a mudança é a essência da vida, e urge. Ou mudamos, ou nos tornamos estátuas, e estátuas ficaremos, projeção da pessoa que fomos.
Estou impregnada dessa missão louca (e possível) de encontrar todas essas pessoas, principalmente nos dias em que o milagre da alteridade, do conhecer-me através, por causa e junto do outro, faz-me esquecer que poucas coisas valem tanto quanto buscar-me dentro e fora, que é no fundo a mesma coisa, uma sobrevivência à revelia do que os nossos olhos insistem em mascarar.