Promessas são precariedades

Eu já conhecia a maioria de seus amigos, senão todos, mas a ele ainda não tinha tido o prazer. Tinham-me falado dele, com uma espécie de respeito que fez surgir dentro de mim uma das palavras que vinha caçando há semanas sem encontrá-la: veneração. Bom sinal, este de alguém que ainda não chegou já me presentear com as palavras que explicam. Especialmente essa, que deriva de nome de deusa e é a palavra do que falta; e assim que a pronuncio, que a faço vibrar dentro de mim, a falta acomoda-se, porque o som cria o mundo em que posso respirar.
E seu Zé do Coco chegou. Bem falante, aparenta a idade que tem (longa) e o conhecimento das coisas que a sua passagem lhe conferiu. As frases que pronuncia atravessam tempo e espaço e algo lhes confere o poder que, um dia bem longínquo, toda frase feita teve. (Frases feitas tornam-se agremiações de palavras que repetimos pasteurizadamente, achando que de fato pensamos. Não pensamos: são palavras que se climatizaram, palavras pre-cozidas.) Acho que veneração chegou antes dele para que eu pudesse estar preparada. Posso nomear o que sinto conforme o ouço, e assim ouvi-lo melhor.
Conversamos um tempo comprido. Nessa troca atenta e presente, seu Zé deixou comigo o legado de uma série de palavras, e eu ocupo-me delas como há tempos não me ocupava de nenhumas. Pensar nas palavras é a minha forma de meditação. Os dias em que recorto uma delas e a coloco à minha frente, observando-a de todos os lados e formas que posso, ora distante, ora alcançando-a com os dedos do sentimento, são os dias mais felizes e concretos, os dias em que o céu azul ou a chuva ou o vento fazem sentido.
Disse-me seu Zé que promessas são precariedades.
Veja bem.
Promessas são precariedades.
Com o passar dos dias, e a repetição das palavras dentro de mim, vou avançando para dentro do que dizem. Separo-as umas das outras. Promessas. Precariedades.
Promessas fluem e pendem. Prometem-se. Recorro à etimologia, nesse movimento que me aproxima do nascer mais profundo das palavras. Promissus, a raiz de promessas, é uma derivação do verbo promittere. Palavra composta por duas: omittere (deixar de lado, omitir, deixar de ir) e o prefixo grego pro (antes). Prometer é tudo aquilo que existe antes de deixar de dizer, antes de deixar de sentir, antes de deixar de lado. Pura precariedade, penso. 
É possível recuar um pouco mais, porque omittere é filha de mittere, que significava para os latinos antigos jogar, arremessar. Promete-se quando, por antecipação, se arremessa algo do passado (o antes) na direção do futuro. Como uma flecha que se cogita enviar para o depois, mas o arco está pousado ao nosso lado. Pode ser que a flecha vá; pode ser que não: o arco não está nas nossas mãos, talvez sequer o olhemos de fato. Uma ideia de mover-se que não pensa como sair do lugar.

Esse mover-se, instrui-me Zé do Coco, é feito de precariedade.

Precariedade nasceu da palavra precário. E precário é algo que, muito corretamente, nos faz duvidar. Coisas precárias inspiram insegurança. Não se sabe onde se pisa. Pede-se (reza-se, até) para que as precariedades se consumem. Se estabeleçam. Se concretizem. Porque a palavra precário é filha legítima de precari, que nada mais é que pedir e rezar. Olhando para trás, nossos olhos caem na sua raiz prex: orar. Precariedades fazem-nos implorar, pedir, suplicar – é isso que prex sinaliza. Pede-se sentido, concretude, realização.
Promessas vivem fora do tempo. Lançam-se do passado ao futuro sem sequer encostar no presente. São precariedades, porque não se ancoram nem no estar que está nem no ser que é. A insegurança e a dúvida geram-se no ar imaterializado, na célula não nascida, na semente inanimada, como se esperássemos que o broto já fosse fruto sem nunca ter sido gérmen. Não é, e nem será. O que é, é o que chamamos de “momento presente”, essa frase feita que tão facilmente escorrega das mãos e se torna nada. O passado é uma nuvem que já choveu e o futuro o céu que ainda não clareou. A noite impera, suave e silenciosa, escura e úmida de orvalho. É bom que assim seja, e que assim se perceba. Tudo o mais é precário. Especialmente as promessas.
(A raiz primeira da palavra veneração, para quem se perguntou, o é Vênus, a deusa romana do amor e da fecundidade.)
Foto: Dani Lenton

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