2 de Espadas

Entrar em um novo dia (ou em uma nova semana, ou em um novo ano) está intimamente ligado a nos abrirmos para novas formas, novos movimentos, novos processos. Nada de vantajoso nos chega se abrimos um novo dia com o peso e a tristeza do dia anterior. A noite também atua em nós, tanto quanto o dia, e muito do que vivemos ontem se resolveu, compreendeu e integrou através dos misteriosos mecanismos da noite e do sono. Por isso, o dia nasce realmente novo – e o mesmo se passa com a semana, e com o ano.

Nesta semana, tudo isso acontece. Sete dias de uma nova semana, e o início de um novo ano para coroá-la. Por que fazer tudo igual, se tudo podemos fazer diferente? O 2 de Espadas nos oferece suficiente paz na semana para pensar a respeito. Não a completa e mítica paz – não quer dizer que não haja conflitos, problemas, contendas, desagravos, tristezas e desamparos. Com certeza os há. Porém, há também espaço para aprender (ou treinar) algumas coisas com a suficiente paz para fazer isso sem dor.

Há espaço para aprender que reação é algo que se escolhe, consciente ou inconscientemente. Há quem seja mais impulsivo e há quem seja menos impulsivo. O primeiro sofre porque se dá conta das coisas, às vezes, quando já foi, já era, a palavra lançou-se e já sabemos que não regressa. O segundo, porque quando percebe, a oportunidade já passou, e não há pernas para correr atrás. Assim somos, cada um com a sua característica. Não me parece que de fato mudemos. O que fazemos, na melhor das hipóteses, é melhorar. Os mais impulsivos moldarão sua mente na outra direção, os menos impulsivos farão o mesmo, mas em sentido contrário. Além das vantagens evidentes, é provável que ambos se encontrem em algum momento do caminho – e este é o 2 de Espadas, o encontro a meio do caminho entre duas tendências contrárias que, no entanto, têm ao menos um ponto de convergência. A paz nasce desse encontro do que é contrário aparentemente.

Porque veja: sempre há pontos de convergência entre duas pessoas. O problema (ou os problemas) é que, ou queremos que tudo converja (e qual Narcisos só queremos o que é igual ao que vemos em nosso próprio espelho), ou não admitimos que exista qualquer convergência entre nós e aquele a quem detestamos, repudiamos, por quem sentimos antipatia, repulsa, até nojo. Sempre há um ponto de convergência, seja ele relevante ou não. Podemos dar-lhe valor ou não, podemos fechar os olhos, desconsiderar, fazer de conta que não, imagina, nada a ver. Mas o ponto está lá. Sofreremos menos se assim entendermos, porque teremos mais controle sobre nossa mente ao sabermos que a interligação entre tudo é um fato, e não uma teoria. Se somos adeptos de dizer “somos todos um” é bom que comecemos a agir consoante.

Do muito que não nos cabe decidir, escolher ou determinar, sobra sempre a possibilidade concreta e absoluta de podermos escolher o como reagir àquilo que chega até nós, o como falamos, o como movimentamos, o como fazemos o que temos de fazer. Muito do que temos em nossas vidas está diretamente ligado a como escolhemos reagir ao que a vida nos traz. A vida, os outros, o momento. E sempre existe espaço aberto para agir (ou reagir) de múltiplas formas.

A semana nos abre espaços para aprender ou treinar entrar nos domínios da nossa mente. O 2 de Espadas fala disso com veemência. Fala do quanto é necessário, para entrar em níveis mais profundos, manter a nossa mente sob controle. Tarefa árdua, muito árdua. A mente nos engana o tempo inteiro, e esta semana essa verdade poderá ser sentida, aqui e ali, nas coisas pequenas ou grandes. Entendemos errado uma palavra ou um gesto de alguém, e a mente nos atormenta. Quando percebermos que as voltas que demos com o pensamento nos fizeram sofrer inutilmente, porque nada daquilo que conjecturamos é, de fato, fato,  já teremos sofrido. Por isso, escolha a paz interior, escolha a ponderação, a serenidade, a não exaltação. Não tome decisões apressadas, não tire conclusões apressadas. Dê-se o luxo de se dar um tempo. Pergunte-se: estou completamente certo de que o que penso é a verdade? O mais provável é que a resposta seja não. Por isso, aguarde, investigue, escute, veja. Os sinais estarão ao redor, mas para vê-los é preciso permanecer imóvel. A mente imóvel.

Uma outra coisa que podemos treinar (ou aprender) é que nem todas as contradições do mundo precisam nos fazer sofrer. Todos nós oscilamos entre o ser egoísta e o ser generoso. Todos nós oscilamos entre querermos dar e querermos guardar. Nesta semana, as portas estão abertas para não agirmos de forma automática, e para decidirmos e escolhermos aquilo que queremos para nossas vidas. Se de fato nos preenchermos dessa impressão de que somos hoje resultado daquilo que fizemos, dissemos, não fizemos e não dissemos no passado, podemos a passos largos desenhar-nos a realidade adiante. Claro que é preciso reconhecer onde é necessária a transformação – não há nada de evolução, ou involução aqui, mas de transformação.

Uma espada é, por definição, um instrumento de corte, de luta, de perfuração, de morte. Para isso existe, e com ela havemos de saber lidar. Assim é a mente, e está em constante movimento. O que o 2 de Espadas nos oferece, esta semana, é uma trégua nesse movimento mental. Nos abre um espaço palpável (repare ao longo da semana) para entrarmos em contato com as possibilidades de transformação dos nossos padrões.

A semana é muito propícia a retrospectivas, avaliações, projetos, na direção dessa coisa mítica que é a passagem entre dois anos. Estamos de saída de 2022 e entrando em 2023. É coisa de um segundo apenas, mas há uma suspensão do tempo, seja pulando ondas, seja comendo lentilha, seja brindando brilhos. Um suspensão de um segundo em que acreditamos que tudo pode ser diferente. Nos desejamos votos de bem e paz, e fortuna, e sorte, e amor, para o novo ano. Nesse instante suspenso do tempo, também podemos desejar termos controle sobre a nossa mente. Ao acender a vela do primeiro dia do ano, podemos escolher fazê-lo em silêncio e recolhimento, abrindo espaços internos para que as dimensões espirituais atuem sobre nós; podemos agradecer aos nossos ancestrais terem nos guiado até este momento; podemos rememorar uma por uma as pessoas que escolhemos (seja a escolha do hoje, seja a escolha do passado) ter por perto, a quem devemos cuidados e amor, a quem devemos atenção e entrega; podemos desejar sermos mais e melhores em tudo o que fazemos; podemos escolher ter tempo para o que é importante, controlar a ansiedade e sermos capazes de compartilhar o que temos não como doação, mas como oferta. Oferta do que temos, oferta do que somos. Que o ano principie em alegria, em paz e em tranquilidade, com nossos corações preenchidos pela vida e pelo seu ritmo, porque somos filhos e filhas dela, a Vida, e dela sairemos pela mesma porta por onde entramos, transformados.