Portugal foi às urnas no passado dia 27 de setembro. Foi provavelmente um dia de sol, como todos aqueles em que eleições acontecem nesse meu país, dia de bandeirinhas de todas as cores, embora o laranja às vezes tenha se imposto agressivamente. Mas não desta vez.
Para ser exata, poder votar, eu posso – mas não o farei. Hoje, que já é dia 7 de outubro, é que eu recebo a minha querida cédula, com partidos dos quais nunca ouvi falar entre outros em que já tive o prazer de votar. Convenhamos que é difícil encontrar algum ânimo para votar numa eleição que já teve o seu resultado mais que divulgado e confirmado. Quase que preciso olhar-me no espelho pra me certificar de não fazer parte de uma dessas piadas que circulam por aí, e mesmo à custa de poder estar a contribuir para a criação de mais uma, precisei mesmo deste desabafo, à procura de algo que me desdeprima da situação ridícula que o correio me apresentou.
Para me consolar, porque só está crônica talvez não o faça, decido usar os serviços telefônicos para desabafar com quem está do outro lado do Atlântico e, para minha surpresa, nem a facção mais vermelha da minha família se solidariza: “ó filha, mas tu querias votar pra quê? Então não vês que são todos iguais? Ó Manela!” – e desta feita já largou o telefone e fala com uma das minhas tias que deve estar sentada à mesa redonda da casa da minha avó ocupada com uma interminável toalha nova de crochê – “Olha a coitada da Ana ao telefone a queixar-se que só hoje é que recebeu a cédula da eleição!”. Não demora, já sei, a família inteira ri-se de mais uma das minhas coitadas ilusões, “parece até quando eras criancinha e acreditavas em tudo!”
Não sei mais para quem me virar, e então lembro-me de uma das canções que me cantavam quando eu era pequena e que se liga ao assunto; vou à procura do LP que se salvou das diversas etapas de filhos que se encantaram com eles e, além da música, cheia dos ruídos da gravação e do tempo ao passar, encontro uma dedicatória do meu pai, que foi quem me deu esse disco. E, já se vê, uma coisa leva a outra.
Além de eleitor do PS durante anos, meu pai chegou a candidatar-se à presidência da Câmara (algo próximo ao nosso prefeito) da cidade onde nasci, o que me fez viver a situação estranha, ainda que à distância, de ver estampado em outdoors, pelos cenários da minha infância,o sorriso triunfante de meu pai, antes do triunfo propriamente dito, o que já dizia meu avô (com razão que depois se confirmou) se tratar de “péssimo agoiro”.
O seu passado de bon vivant valeu a meu pai algumas revelações inesperadas de fatos de outrora, e o acúmulo delas foi o principal responsável, disse-me ele, pela sua derrota – apertada, mas ainda assim derrota. Queixou-se, e ninguém o contradisse, de ter sido vítima da incompreensão de uma cidade provinciana, atrasada e preconceituosa, que nada entendia da necessidade da juventude se contrapor ao poder e ordem estabelecidos, trilhando seus próprios caminhos e soluções. Achei-lhe graça, lamentei internamente que essa sua consciência não tivesse atingido a seu tempo a minha própria juventude, mas lembro-me de, sensibilizada pela sua incompreensão melancólica dos rumos políticos da nação, até ter lhe dado razão.