Contorno

Acordei hoje com o pensamento em um querido amigo, através de uma das palavras que usa na busca de si próprio. Contorno. Sinto-me muito à vontade, porque a raiz da palavra é muito óbvia e assim é como se eu mergulhasse num rio sem margens. Nasce da palavra torno, que sempre foi isso mesmo: torno. Tanto o instrumento em que se prendem coisas para torná-las arredondadas, quanto o verbo tornar, ou seja, voltar. Talvez por isso meu amigo ande sempre com ela a tira-colo.
Contornar deve ser algo esférico, linha curva que torna ao lugar de onde saiu. Assim, contorno fecha, encapsula. Contorno é linha que circunda centro. É a linha periférica que delimita e diferencia o fora e o dentro. Espaços. Quase me deixo levar pela corredeira dos caminhos da vida reencarnatória, mas não. Quero nadar em outras águas.
Não sei se meu amigo estará certo na sua busca de contorno. Olhando a palavra, assim de frente, e percebendo-a linha em torno do que está quase do lado de fora, tendo a crer com ele que os outros podem dar-nos contorno, podem guardar-nos as proporções, podem fazer-nos acreditar na própria massa concreta, ajudar-nos a saber o que somos dentro, o que é o fora. Porém, apenas se tivermos centro, e recheio. De nada nos salvará uma linha a contornar o espaço vazio. A vida não é maniqueísta.
E assim, desde manhã cedo até agora, quero muito dizer-lhe que vale a busca do contorno, sabendo que é preciso haver o que contornar. Ele já sabe disso que lhe digo, mas é sempre bom ouvir a mesma coisa, o retorno daquilo que já se sabe. Quero dar-lhe uma espécie de contorno, que de repente se parece com aconchego.
Por outro lado, tornos são coisas perigosas. O mesmo mecanismo que permite o torneado perfeito de um pedaço de madeira, promove o desmembramento do todo em partes. Nem é preciso lembrar do “potro”, tão velho quanto a velha Inquisição. Basta pensar no dia a dia, nos tornos que encontramos e nos desmembram, nos estraçalham, nos rompem os tecidos mais delicados e frágeis, sem que depois consigamos juntar as peças que nos faziam uno.
Por isso, estou em dúvida se se deve desejar o contorno através da mão do outro. O conhecimento de mim mesma que me chega pelas mãos e bocas do outro, encantador exercício de alteridade, sim. Mas ao contorno talvez seja melhor, meu amigo, procurá-lo na camada fina que dá forma às nossas próprias mãos. Os traços que desenhas com tanta maestria (sejam letras, sejam formas) serão aquilo que dá contorno à tua alma, que dá contorno àquilo que de teu se encontra com o contorno do outro. Porque ainda há isso: o contorno do outro, que ele desenha como quer, deixando ou não espaços porosos por onde os outros possam permeavelmente entrar. Por onde nós possamos entrar. 
A imagem acima retrata um torno eclesiástico, um torno de bancada especialmente desenhado e construído para párocos, abades e acólitos que gostem de marcenaria. A boca do torno são essas duas mãos de ferro, que eventualmente poderão ser revestidas com luvas de veludo, para não danificar as peças mais delicadas. Nem sempre quem usa o torno saberá reconhecer a delicadeza do material, e pode ser que se confunda, e deixe de usar o veludo que impediria as dores no corpo torneado. As mãos podem ser de aço, e podem ser de seda: de pouco servirá se não souberem reconhecer os veios da matéria com que trabalham.
Melhor isto: transformar-se em esponja de contornos fluidos, que ora se mergulha na água do banho, ora se põe a secar na janela escancarada ao sol. A substância interna está lá, num estado variável que não lhe altera a essência. O contorno que lhe dermos dependerá do ambiente externo que a acolha, sim. E nós dependeremos de manter o centro no centro, e o contorno no contorno.




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