Rissóis de camarão
Massa
1 chávena de água a ferver
1 chávena de farinha
Sal e limão sem casca
Juntam-se todos os ingredientes e, com o resto que sobejar, fazem-se sonhos, depois de bater à mão ou com a máquina, quem a tiver.
Creme de recheio
Coze-se o meio quilo de camarões, com cabeças e tudo, até estarem cor-de-rosa. Depois, descascam-se e pisam-se as cascas e as cabeças dos pequenos crustáceos num almofariz, até estarem desfeitas e poderem ser passadas por um pano fino. Faz-se um bechamel com um refogadinho de cebola picada finamente, e sete colheres de sopa de farinha. Pinga-se a água de cozer os camarões. Fica um tanto líquido. Juntam-se os camarões cozidos, salsa picada, sumo de limão e uma pitada de pimenta.
Abrem-se os rissóis com um rolo. Deposita-se uma pequena colher de recheio frio, fecha-se como num envelope e corta-se com as beiras de uma chávena, apertando bem para fechar o rissol. Passa-se no ovo batido e depois no pão ralado. Fritam-se em óleo quente, com cuidado para não queimar.
É de um dos livros que habitam a minha cozinha, esta receita. Escrita à mão, foi copiada do caderno de receitas da minha bisavó, que eu tanto pedi como herança à minha avó, mas que foi parar nas mãos da minha tia Teresa, que entende que o que ela quer é basicamente dela e pronto. (Nada de rancor, simples constatação. Eu nem preciso mais do livro, que está muito mais feliz na minha lembrança do que estaria na prateleira.)
A cozinha da casa da minha avó era muito maior do que precisaria ser ao tempo em que eu vivi nessa casa. Neta única durante muito tempo, companheira de dois velhos avós, dificilmente conseguiria ocupar o espaço que cinco filhas e um filho tinham deixado vazio. Até tentava, acho eu, inventando muitas e variadas distrações, umas permitidas, outras nem tanto, mas todas elas permeadas pela alegria peculiar aos seres infantis.
Nessa cozinha fervilhavam, ainda assim, panelas e cheiros. A entrada não me era permitida – hoje mesmo fiquei pensando nisso, quando mandei que todos os meus filhos se evaporassem da cozinha onde eu tinha tido a feliz lembrança de resgatar esta receita. Com a consciência pesada, porque afinal é tão bonito todos reunidos na cozinha, mães ensinando filhas, todos encantados com as alquimias alimentares… Pena que todos queiram, como eu provavelmente queria na sua idade, e por isso me vetavam a entrada na cozinha, apropriar-se de tudo e avançar todos os passos, cada um num determinado ponto do caminho. Quando a intenção não é, de fato, cozinhar, está muito bem. Quando se pretende alguma forma de produto final que dê gosto aos olhos e ao paladar, agradando os amigos que vêm para o almoço, o caso muda de figura. E as crianças saem, definitivamente, dos domínios culinários.
Mas enfim: mesmo vetada na maioria dos dias do ano, nos dias em que Dona Jacinta, cozinheira das grandes ocasiões, por lá aparecia, a possibilidade da minha presença na cozinha alterava-se. Dona Jacinta era grande e gorda, como deve ser uma cozinheira das boas, e não se importava de que eu ficasse por ali, desde que (minimamente) calada. Num único dia conseguia fazer o suficiente para alimentar o batalhão de gente que, por exemplo no Natal, abarrotava essa casa normalmente apagada. Os tais dos rissóis, os croquetes, as chamussas, e mais quilos e quilos de pequenas e grandes coisas saíam das suas mãos diretamente para a grande arca frigorífica (freezer, em lusitano) ou para a despensa.
A cozinha da minha avó tinha uma bancada retangular ao meio, mármore branco. Nesses dias, ficava coalhada de rissóis embrulhados na poeira do pão ralado. A luz entrava pelas janelas, e os rissóis pareciam encantados, brilhando nos pequenos pontos dourados pousados. Lembro-me bem que era disso que eu gostava, embora parecesse que o grande barato era passar os dedos no ovo e depois na farinha de rosca, e ficar imensamente melecada com o resultado. Enquanto crianças, guardamos tantos segredos que é difícil até desencaixá-los todos aqui de dentro, percebendo a origem da atenção que se dá, por exemplo, às coisas pequenas. Já me disseram que eu presto muita atenção às coisas, o que é engraçado por não ser tão óbvio, e eu acho que é por causa dos tais dos rissóis. E acho também que a mexicana Laura Esquivel deve ter passado muitas horas na cozinha da sua casa de criança, olhando as coisas do seu posto, imóvel como o meu.
Laura Esquivel é autora de “Como água para chocolate”, que anos mais tarde se transformou em saboroso filme. Se o leitor a quem emprestei este livro estiver lendo esta crônica, por favor devolva-o à Biblioteca Aventura, para que outros leitores possam deliciar-se e entender a origem desta crônica!