De Lisboa, uma destas noites

As Portas de Santo Antão, ao lado do Rossio, abrigam uma das mais antigas e populares casas de espetáculos de Lisboa, o Coliseu dos Recreios. A poucos passos lá está o teatro Dona Maria (com um incrivelmente bem representado Édipo Rei para o qual, por mais que apele, não consigo bilhetes…), edifício sério e nobre, tão pintado de fresco que até parece falso. O Coliseu abriu as portas na Lisboa de 1890 com a intenção de ser um espaço acessível ao povo, com preços baixos e espetáculos variados, que nessas décadas que nos separam da inauguração variaram de concertos, shows e óperas a apresentações circenses com elefantes e camelos. Bem em frente está o Politeama, o mais famoso teatro de revista em Lisboa (em cartaz, nova versão de A gaiola das loucas), e em volta mil e uma tasquinhas populares, cheias de bifanas e pregos e outros petiscos, a centenária “Ginginha sem rival” e outras portas, na maioria das vezes pequenas, que os lisboetas ocupam profusamente, seja lá que dia da semana for. Hoje, como em outros tempos, apesar de ser uma quarta feira, as ruas estão cheias de gente que vai ao teatro. Chegam mais cedo para petiscar alguma coisa, beber uns copos e encontrar os amigos, ruidosos e animados, a mandarem vir mais um jarro de vinho tinto da casa ou mais uma imperial, acompanhados de uns pastéis de bacalhau para enganar a fome. O importante é pedir a bebida primeiro, logo se há de ter tempo para o conduto, que é como o meu pai se referia à matéria mastigável. Em todas as tascas há sopa – e eu adoro as sopas desta cidade, e por muito que o resto me tente, fico-me com uma sopa juliana e logo a seguir uma sopa de couves temperada com hortelã, que é o segredo que lhe dá o cheiro que vem a voar, como num desenho animado, desde a cozinha pequena ao fundo do corredor que é esta tasca. Acabo a correr, porque já são horas.



O Coliseu está cheio, não há mais lugares e eu sorrio satisfeita por ter encontrado ainda alguns bilhetes para ver o espetáculo de hoje: Joan Baez ao vivo e a cores. Há muitos anos que não entro no Coliseu – exatos 27. Quem ocupava o palco naquele dia era Zeca Afonso. Cantava em público pela última vez, diante de uma plateia emocionada por sabê-lo de antemão perto do fim. A esclerose lateral amiotrófica que o consumia (mesma doença com que luta Stephen Hawking) evidenciava-se, mesmo para quem o via longe do palco, e levou-o 3 anos e bastante sofrimento depois. Começou, lembro-me, com um dos mais bonitos fados de Coimbra (“Do Choupal até à Lapa”) e aos poucos lá veio em direção ao Alentejo e levou-nos a todos às lágrimas com a Grândola Vila Morena que marcou o incrível ano de 1974.



O Coliseu de hoje está recuperado, obedecendo ao movimento que fez com que, nos últimos anos, Lisboa inteira pareça ter se preparado para uma festa. As galerias e os camarotes encontram-se remoçados e mais bonitos, tudo pintado; todos os bocais do grande candelabro, famoso à altura da inauguração, ostentam as lâmpadas que em outros tempos faltavam.



Assim que entra, Joan Baez canta logo uma das suas novas músicas, mas é impossível que se fique por aí, e logo chegam as que são eternas, as que todos queremos ouvir, mesmo que ela possa estar farta de as cantar. Vem um Joe Hill primeiro, Diamonds and Rust logo após, a seguir Forever Young… Com um papel na mão e um “Cantem comigo” no mais puro american english, oferece-nos a mesma Grândola do Zeca, e o Coliseu levanta-se em peso e canta tão alto que não a conseguimos ouvir. Alguém grita “25 de Abril sempre” e eu descubro que sou eu, e só por dentro, a adivinhar o que todos estão a gritar dentro de si próprios porque perdeu o sentido fazê-lo do lado de fora.



De onde estou, privilegiada que sou nestes dias de poder sentar-me em um camarote, vejo a plateia toda em pé, todos os camarotes cheios, consigo adivinhar todas as lágrimas. Joan conduz a música inteira (cantá-la inteira exigir-lhe-ia mais português do que tem), seguida de outras da mesma época, o Coliseu inteiro às portas dos tempos áureos de Woodstock. Ela ajuda, porque canta como cantava, toca como tocava, e não há nada entre ela e nós além das cordas do seu violão. À saída todas as idades se encontram à porta, cheias de sorrisos e de esperanças.



Amanhã com certeza o céu estará todo azul.

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