De quando se dá nome aos bois

Quando nosso primeiro pai nomeou todas as coisas e animais do mundo, seu próprio Pai, aquele de quem guardou completa semelhança, permitiu-lhe um descanso. “Pouco”, avisou-o, “é preciso que voltes ao trabalho, não vás acomodar-te antes do tempo”. Os anjos, enquanto isso, feitas as pazes com essa estranha e humana invenção do Senhor, puseram-se a guardar-lhe o sono, quem sabe se com a ideia de tomarem para si a capacidade da nomeação do mundo. Em vão.
Adão dormiu por anos, porque a matéria prima do tempo divino é a relatividade. Quando acordou, barbas e cabelos crescidos, foi chamado à presença de seu Senhor, que lhe apresentou, para que lhes desse nome, duas virtudes em forma de barro: a subsistência e a sobrevivência. Adão nem precisou perguntar-se quais eram os nomes de ambas, pois fluiram de sua boca antes mesmo que conseguisse pensá-los. O Senhor olhou-o entre incrédulo e espantado (coisas que são assemelhadas, mas que Adão distinguiu com clareza e sabedoria ao nomeá-las), e pôs-se a observar os dois nomes que entretanto flutuaram da boca de Adão até o barro, entranhando-se nele e guardando-lhe duas formas diferentes. A transformação das coisas inominadas em coisas nominadas acontecera já muitas vezes debaixo de Seus olhos, mas o Senhor não cansava de alegrar-se e aliviar-se – coisas também semelhantes, porém Adão, e os nomes… 
A metamorfose que Adão operava em Seu mundo através da Palavra que lhe nascia, enchia o Senhor de um gozo tal que quase não cabia dentro de si, embora nascesse de dentro d’Ele, o que é no mínimo um contrasenso ou um paradoxo (coisas que sabemos diferentes, porque assim o disse Adão).
Foi assim que, entre espantado, incrédulo, alegre e aliviado, o Senhor viu a subsistência distanciar-se no espaço da sua antes irmã sobrevivência, enquanto os homens por toda a Terra cuidavam ora de uma, ora de outra: a sua ocupação escolhia-as a ambas para firmar seus pés sobre a terra, porém com intentos diferentes, como se verá. 
Os primeiros, reparou o Senhor e fez mostrar a sua primeira criatura, trabalhavam a terra e a semente com os olhos postos no chão; viam brotar os minúsculos prenúncios que antecedem todo fruto, e a sua mente projetava de imediato a refeição dos meses seguintes; e as gavinhas cresciam, o mundo frutificava e alimentava os homens. Então, eles diziam: “Graças a Deus pela nossa subsistência”, no que estavam certos, pois era o Senhor que lhes inspirava a existência, que eles ainda percebiam (talvez) como uma sub-sistência. Os segundos, viu o Senhor conforme lhes voltou a serena face, trabalhavam a mesma terra e a mesma semente, mas ambas brilhavam diferentes por entre seus dedos. Embora permanecessem ágeis e ativos, seus olhos alongavam-se no horizonte, alcançando as estrelas, como se soubessem que era de lá que provinham, e que era de lá que, nesse exato momento, seu Senhor os observava. Um deles, então, diria, “Existe muito mais entre o céu e a terra do que as plantas que crescem e nos alimentam”; e outro responderia, “Graças a Deus por sermos quem somos”. E tinha razão, pois que todos eram o que eram graças à graça concedida pelo Senhor.
Adão, sentado ao lado de seu Criador, pouco via além da água e da terra de que são formadas todas as criaturas, sejam coisas, animais ou virtudes, entre outras. Os nomes acorriam-lhe sem que ele os chamasse ou procurasse, e afligia-se, às vezes, por não ver mais do que dois elementos na fonte de onde tanta variedade nascia. E o Senhor, nessas alturas, acalmava-o dizendo: “Pois que tudo o que criei e que tu nomeias é feito da nossa mesma matéria, não te aflijas pelo que não podes mudar. Alegra-te, outrossim, pelo poder de transformação que inspiras às coisas do mundo após lhes outorgares seus nomes.” E com essas palavras Adão respirava com o coração esvaziado de todo temor e receio (coisas diferentes, já se sabe por quais caminhos) e soube que, nomeado, o mundo estava liberto. E liberdade é tudo o que as coisas do mundo precisam para ser o que devem ser. Depois de, como se depreende, serem nomeadas.

2 respostas

  1. Ana,

    Eu sempre gosto do que você escreve, muito menos pela estética do seu texto, que é irrepreensível e belíssima, e muito mais pelo que há de você nele; do que você pensa, sente e faz no mundo.

    Fiquei pensando como você selecionou a ideia desse texto, que são tantas na verdade. Aquela que mais brilha diante de meus olhos é a de que Deus e seu filho são participantes, em graus diferentes, talvez e é claro, da criação. O Pai concebe a vida que permanece crescendo em si mesma até que o filho vem e a liberta, para que ela (a vida) caminhe e se transforme, agora sem mais a ação do Pai ou do filho.

    Tudo é feito da mesma coisa. O mundo é nós mesmo viemos do mesmo barro, ou seja, do que vem de Deus, tudo é matéria única. O homem, e sua liberdade, aos lhes dar nomes, lhes dá vida e os transforma e permite transformar.

    Que responsabilidade, Ana. Viver é muita responsabilidade…é participar junto do Pai do processo de criação, pois damos nomes às coisas, aos fatos, aos sentimentos, às pessoas, o tempo inteiro, identificando-as de acordo com nosso próprio entendimento. Será isso julgamento?

    Linda crônica, como sempre.

    Beijo,

    Ivan

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