Sabe quando a vida se apresenta oblíqua? Numa diagonal em relação à maioria do que costumam ser os seus fios? É assim o dia de hoje: de viés.
Um dos arcanos maiores do tarot, o Sol, representa a felicidade, a integridade, a autoconfiança. É uma carta que brilha, mas há um alerta: tudo aquilo que brilha traz consigo o prenúncio da queima. As cartas do tarot carregam em si a dualidade que comporta e nutre a vida. Porque tudo é várias coisas ao mesmo tempo, tudo tem pelo menos duas faces, fato que nos confunde as mais das vezes. Sobretudo quando se decide confiar mais na construção de pensamento do que nos fatos em si. As evidências: é delas que preciso para conseguir que o tempo de fato se encaixe no tempo em que a minha alma estacionou. Tudo ao contrário dessa direção oblíqua, enviesada.
Viés vem, via o francês biais, do latim bifax, que significa justamente duas faces. O campo da estatística, em todas as suas vertentes, apropriou-se da palavra e às vezes a substitui por outra expressão: erro sistemático. Aproxima-se da interpretação que a psicologia lhe dá, quando fala de “viés cognitivo”: a tendência ao erro sistemático baseada em fatores cognitivos e não em evidências. Essa maneira de criar mecanismos de ação e de julgamento chama-se heurística – palavra que vem do mesmo lugar de onde vem aquela palavrinha simpática que Arquimedes usou quando descobriu como medir o volume de um objeto irregular usando água: eureka! Ou seja, a heurística é uma forma de descobrir, de achar, uma maneira de se aproximar de soluções possíveis, até ideais, ainda que não necessariamente as melhores. Parece um paradoxo, mas não é: a heurística não leva em consideração todas as variáveis que incidirão na prática, e por isso pode chegar a soluções ideais que, no momento da ação, não são mesmo as melhores.
Um dos nossos mecanismos de achar soluções é o uso de estereótipos, esses atalhos que usamos para entender mais simplesmente o nosso ao redor e nos posicionarmos diante dele. Às vezes, induz ao erro; às vezes, não. O nosso dia a dia usa estereótipos o tempo inteiro. Errarmos ou não depende em muito da nossa capacidade de observação das evidências que nos cercam, e da nossa flexibilidade com relação às categorias que vamos criando internamente ao longo da vida, e que dirigem e norteiam boa parte dos nossos julgamentos e posicionamentos.
Estive imersa durante alguns dias numa realidade que no mínimo só posso chamar de paralela. Daquelas situações em que se olha em volta e se pensa “caramba, afinal a utopia é bem possível”. Volto alinhavada dessa energia, querendo que meu pensamento seja tudo, menos divergente. Manter-me focada, diz-se. Mas de repente encontro-me encravada com variáveis mais duras e densas. E como me esqueci de rearmar as defesas que neste mundo transversal ainda me ajudam a manter a cabeça à tona da água, como não estava preparada, o sol, que é também mas não só felicidade, integridade e alegria, cegou-me. Porque me distraí e esqueci de olhar as evidências à minha volta.
Por isso escrevo. Como uma forma de enviesar a dor, torcendo para que esse não seja o meu particular e arraigado erro sistemático. Torcendo para amanhã voltar a ler o que escrevi e perceber que esta qualquer coisa encravada sumiu-se nas letras impressas, por entre as linhas que não li porque não previ a falta de olhos, de olfatos, de sensores para o que se materializa tão evidente e a mente em seus projetos sequer vislumbra.
Respostas de 2
Pois é, minha maninha, às vezes a mente mente e a gente nem sente!
Bj com amor e LUZ,
Neca
beleza!