Nunca tinha feito fisioterapia na vida. Numa sequência de médicos dispostos a me ajudar, o último finalmente acerta no diagnóstico: um nervo pinçado. Tive sorte na escolha, baseada apenas na coincidência entre descobrir uma oficina de reparo de sanfonas e achar seu nome na lista de médicos disponíveis: Dr. Luís Gonzaga. Com a polidez que só os médicos de outrora têm, pergunta-me da vida, do sono, da alimentação. E da felicidade. Devo ter feito uma cara de surpresa absoluta, porque ele tira os óculos e sorri um sorriso de dentes antigos e diz simplesmente: porque é preciso ser feliz, não é mesmo? E recoloca os óculos para quem sabe anotar (seria bom) um “sim, é feliz”.
Envia-me à farmácia e à fisioterapia. Tenho 10 sessões pela frente, todas seguidas, um dia após o outro, sem interrupção. Nesse momento em que o mundo parece arrastar-se ao meu lado, a premência de algo que acontecerá peremptoriamente todos os dias, sem trégua, é um alívio. O consultório do fisioterapeuta é imenso, e cheio já às 7h da manhã, assim que abre. Uma porção de gente com pequenas e grandes questões, recém-operados, traumas de todo tipo, aparelhinhos e lâmpadas ligados por todo lado, despertadores que avisam a cada instante que algo chegou ao fim. Meu nervo pinçado é um detalhe irrisório no movimento deste mundo.
As ondas curtas são meu único tratamento – durante esses 45′ vezes 10 momentos dos próximos dias, não preciso fazer nada, a não ser deitar e pensar na vida (se quiser), enquanto os aparelhinhos ora me formigam o tal nervo, ora me são completamente indolores. Estes últimos são as tais das ondas curtas, e são de longe os que mais me espantam.
Meu companheiro na maca ao lado, com uma lâmpada de infravermelhos sobre a articulação do joelho, diz-me que ondas curtas é tudo de bom: aquece por dentro sem se sentir nada por fora, inibe as terminações nervosas de nos fazerem sentir dor. Conta-me que faz fisioterapia muitas vezes: gosta de jogar futebol aos fins de semana e normalmente excede-se. A fisioterapia é seu sossego, acrescenta: não preciso fazer nada, aqui, e só converso se me apetece. Mesmo feliz de ter sido eleita sua interlocutora, nem consigo escutá-lo muito; tenho grudado em mim um aparelhinho que conscientemente não sinto, que não dói, que não aquece nem esfria, e que faz com que a dor realmente desapareça. Parece milagre, e eu quero prestar-lhe atenção, para que nada me escape.
Podem não ser somente as ondas, mas também o gel e o comprimido receitados pelo Dr. Gonzaga – o fato é que a dor do corpo já se foi. E me deixa mais aliviada, mas ao mesmo tempo mais atenta às dores dos outros lugares, naquele efeito, tão bem conhecido de quem já passou por um parto, de que é impossível sentir-se dor em dois lugares ao mesmo tempo. Difícil às vezes é saber se isso é uma vantagem ou um inconveniente.
Respostas de 2
Oi Ana, belo texto! Estou neste universo geralmente 3 dias por semana, já a quase um ano, e realmente é intrigante e reconfortante, e ainda muitas vezes bem doloroso! Mas discordo quanto a não ser possível sentir dor em dois lugares ao mesmo tempo. E veementemente! Beijo.
Ah, Jiddu… já não sei onde li isso, mas lembro de ser isso mesmo: vc sente uma dor num lugar, que imediatamente anula as demais. Provavelmente aconteça tão rápido tão rápido que tenhamos a ideia de que são concomitantes. Mas não são. Medicinices à parte, dá um certo alívio, dá não?!