Facebook lacrimoso

Acordo com uma anomalia estranha, e decido ir ao médico para ver do que se trata. Interessada em saber do SUS gaúcho, é pra lá que eu vou. Espero um tanto, mas nem tanto quanto poderia se esperar. Assim que sou atendida, uma enfermeira registra minha pressão (baixa, claro) e me pergunta o que tenho. Quando lhe digo, levanta os olhos do papel e acha melhor eu mesma explicar ao médico. E deixa o papel em branco.
O médico nem me olha assim que entro. Digo-lhe então o que me acontece: “meu olho esquerdo não para de chorar”. Longe de se surpreender como a enfermeira, diz-me que sim, que não me preocupe, que se trata da obstrução de uma via lacrimal que consequentemente provoca o lacrimejamento contínuo (ou intermitente). Olho-o digerindo o arrazoado, enxugando o olho que  chora, e não entendo como uma via obstruída pode causar um lacrimejamento contínuo (ou intermitente). Mas não está obstruída? Parece-me metáfora demais pra ser verdade. Dr. Melo não me ajuda a entender; prescreve um remédio de pingar que certamente não usarei e diz-me que isso passa, que não me preocupe, repete. Só faltou o tapinha nas costas.
Dou umas voltas pela cidade – Gazômetro, só pra descobrir que errei o mês ao ver que hoje aconteceria o fórum mundial da bicicleta (foi em fevereiro); orla do Guaíba, que vem a ser (acho eu) o calçadão de Copacabana abaixo do trópico de Capricórnio; e num de repente dou de cara com a prova de laço do rodeio da cidade de Porto Alegre. Parece-me um programa pra lá de adequado à visita ao Rio Grande do Sul, mesmo chorando ininterruptamente de um olho. Um gaúcho de bombachas me olha assim que me sento na arquibancada, e olha de novo cada vez que enxugo o olho. Se me perguntasse o que tenho, diria que choro por estar entupida. E enxugaria a lágrima. Porque cada vez que falo parece que o entupimento piora e o lacrimejamento acompanha. Fico por lá um tempo, com vontade de ter ao meu lado o Thiago, ex-aluno campeão de laço, para me explicar do que se trata, como é que se pontua essa corrida desenfreada de gente a cavalo laçando as pobres novilhas desarvoradas. Vou embora passeando por entre acampamentos que cheiram a chimarrão e carne assando.
Vou fazer o que tenho de fazer, que é escrever. Chego enfim à biblioteca da PUC, depois de andar quilômetros; confortável, acolhedora, luz e temperatura no grau certo, silêncio e solidão absolutos.
Decido experimentar soltar pelo facebook a minha inquietação ocular, enquanto aqueço a memória para continuar o que escrevia ontem. É sempre um risco, já se sabe que facebook é órgão engolidor de tempo útil. Mas ainda bem que não me inquietei com o tempo, porque agora posso rir das respostas, cada uma mais inventiva que a outra, dissolvendo um a um os nódulos que me fazem chorar.
Regina diz-me que é uma verdadeira antítese, e dou-lhe razão: a vida anda mais cheia de antíteses que de metáforas, água que escorre por rios secos. A Catarina diz logo a seguir que “a lágrima entra!”, o que me deixa perplexa: as lágrimas, então, entram? E por isso nos entristecemos? Porque entraram em vez de sair? A Chris, para completar, esclarece a todas nós, porque seu filho também tem dessas coisas: isso acontece quando o canal não consegue jogar a lágrima na narina, e faz com que ela pule do olho. Ou seja, descubro: também choramos pelo nariz!
Fico me perguntando quantas lágrimas não andarão perdidas por dentro de nós, confundidas com o lugar de saída, encontrando tubos obstruídos, passagens bloqueadas, saídas não programadas que dão medo por não sabermos onde conduzem. Fico feliz destas minhas terem encontrado esse subterfúgio da epífora, nome científico dado à drenagem deficiente dos canais lacrimais. Espero que tudo volte ao normal e que as lágrimas involuntárias não demorem a secar. E a Chris volta para me ajudar ainda uma vez: “deve ser por isso, Ana, que se diz engolir o choro”. Quando as lágrimas caem no nariz e na garganta, em vez de escorrerem livres pelos olhos. Agora, sim, a metáfora ficou completa.

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