O entrelugar das vias metabólicas

Não há coisa que consiga suscitar-me mais movimentos internos do que a percepção de que há algo em palavras que ouço que lhes confere um poder que não consigo apreender de imediato, mas está lá. É uma espécie de compulsão (sadia), essa necessidade de guardar pequenas coisas que não são  ainda em mim o que por natureza são em si.
Desdobro-as depois, a essas palavras. Tenho várias, aqui ao meu lado, no caderno novo que inauguro para inaugurar-me nova, como é bom que se faça quando se começa novo caderno ou novo trabalho. Olho para a minha coleção de novas palavras, mastigo-as com os olhos. E penso no entrelugar de onde saíram e vieram alojar-se em mim.
Não é minha, a palavra entrelugar: devo-a ao colega professor. Um entrelugar ao qual de repente sinto pertencer também, um entrelugar de encontro entre o delicado e o explosivo, a ordem e o caos, o silêncio e o grito, o antes e o depois, o caminho terminado e o abismo adiante. Esse entrelugar tem nome, e endereço. Chama-se N.O.I.A. e fica em Botucatu; muito simbolicamente, liga duas ruas paralelas, cria um espaço de encontro entre o que está separado. A minha impressão é de que nesse lugar entra-se para se estar. À vontade, inteiro e em respeito.
Aos que desconhecem, explico: N.O.I.A é um cursinho preparatório para as provas de ingresso às universidades. Redutora a definição, porque este é um cursinho muito particular, que parte da “fé inabalável na humanidade”, coisa boa de se ouvir da professora de biologia, como se um resumo do porquê estar aqui, e ser. A mesma professora oferece-me de bandeja o título desta crônica: as vias metabólicas. Ela fala das bactérias, eu sei, mas acho que no íntimo ela me diz outra coisa; vou à procura: “vias metabólicas são reações químicas que servem de substrato à reação que lhes sucede”. É isso, este entrelugar: imensas reações químicas que servirão de substrato à reação que virá, às descobertas que eclodirão, às pessoas que se encontrarão e se reconhecerão. Às vezes tateando por entre os calos e as sutilezas que a vida inteira oferece, este entrelugar vai muito além da preparação para uma prova, e é aí que reside seu encantamento (além do fato de cumprir a meta dos vestibulares, sejamos pragmáticos também!). Aqui, ouço, a tônica é “não desistir nunca de nenhum aluno”, e é aí que as reações que as vias metabólicas geraram mostram-se em todo o seu esplendor, a interdependência palpável nas palavras que se dizem. Sou professora há anos, estou habituada às falas tonitroantes e às intenções mais que positivas que não conseguem deslanchar na direção do concreto; mas não há tonitroância, aqui, antes reconhecimento de atitude necessária, ainda que custe ter de mexer na própria crença. “Num círculo de 360º”, ouço logo a seguir, “por que agarrar-se a apenas um grau?” Porque desistir de parte? Porque abdicar da possibilidade de ser inteiro? Porque não se reinventar a partir do encontro com o outro?
Articulam-se polaridades e dá-se atenção aos “pequenos cheiros” de cada dia, neste entrelugar. Está-se atento e alerta. Aqui palpita um mundo que se quer observado, palpita a paixão pelo conhecimento, palpita o encantamento por conhecer o mundo em que se vive e o outro com quem se vive. Surpreendente, convenhamos, que este entrelugar seja um cursinho, espaço por natureza duro e mono-motivado. Há esperança, fé e garra por trás deste espaço-lugar de entre-morar: há “um vulcão em erupção, em função não do que somos, mas daquilo que quer se fazer em nós”. E vejo que esse sentimento é motor do silêncio que se instaura, e vejo e sinto: este é o entrelugar que eu buscava. A todas as palavras que ouvi e mastiguei, nessa digestão que me alegra o dia e me dá sentido à alma, junto uma, que devolvo a todos os que me doaram as suas palavras hoje: gratidão.

Respostas de 5

  1. :)Que alegria,Ana mana querida! Meu coração se alegra, respiro fundo e te digo neste começo de dia: compartilhamos nós duas também deste entrelugar cheio de garra e fé nas potencialidades humanas. Por isso tudo e muito mais, para este entrelugar levei meu filho e sei que estará em Ana's e Nora's e outras muito boas mãos! Assim posso ir dormir mais feliz do que antes… que bom!
    Gratidão e LUZ! Love U even more now!

    Good night,

    Neca Terra

  2. Amei Ana, amo mais do que tudo este seu amor pelas palavras, que as vivifica e faz com que vibrem de uma forma toda especial em meu ser. Vejo sempre você quando leio suas palavras e o que vejo é sempre mais do que sua imagem. Meu coração então confirma que aí a alquimia se fez.

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