Para Antonio Tabucchi (1943-2012)
Muitos escolheram Lisboa, ao longo da vida, como seu lugar de morada. Mais raros foram os que, agora ou antes, se decidirão a mudar horizontes apaixonados por um poeta.Foi o caso de Antonio Tabucchi. Apaixonado por um pequena coletânea em francês de alguns versos de Pessoa, estudou português para lê-los no original. Mudou-se para Lisboa para penetrar a alma portuguesa com dedicação e afinco. Para assim poder ser o tradutor de Pessoa para o italiano, tarefa que manteve por toda a vida.
Conheci Antonio Tabucchi muito por acaso há anos atrás, nas prateleiras de uma livraria pequena em Ponta Delgada, capital de São Miguel, arquipélago dos Açores, Portugal. “Mulher de Porto Pim e outras histórias”. Nunca tinha ouvido falar dele, mas gostei de conhecer a escrita de um italiano que se debruçava sobre uma mulher açoriana. Estava grávida, naquele ano, fazendo um curso sobre literatura insular, e o Tabucchi foi um contraponto agradável, que me deu leveza às noites de fim de gravidez em que os pulmões espremidos nos sufocam e não nos deixam dormir.
Depois desse encontro, acompanhei-lhe os passos aqui e ali; vi a adaptação de “Afirma Pereira”, um dos últimos trabalhos de Mastroianni, um ano antes de passar-se ao outro lado. E hoje, 25 de março, quem se passa para esse outro lado é Tabucchi.
Acho estranho quando um escritor morre – já escrevi isso em algum lugar. Porque nem me parece que ele estivesse vivo, que de fato vivesse enquanto escrevia. Talvez porque invariavelmente me pareça que entre as muitas palavras que leio há aquelas que vêm de um ponto que não está nem na vida nem na morte. A arte é domínio à parte, não pertence à seara do tempo.
E lá se vai Tabucchi – que dizia de si próprio ser existencialmente um professor de literatura portuguesa na Toscana, mais do que um escritor propriamente dito. A sua rotina dividia-o entre seis meses em Lisboa, seis meses na Toscana, ensinando literatura portuguesa na Universidade de Siena. De longe, parece-me uma vida pacata, como o é a sua escrita – forte, densa e com uma dose pacata de olhar pra vida e vê-la assim, passando por nós como barcos à beira mar. Para desejar-lhe uma boa viagem, gostaria de saber em que caixa se escondem seus livros, para poder folheá-los a todos e escolher umas páginas ao acaso, lê-las em voz alta antes de dormir. Para que ele tenha certeza, no caminho que faz, de que o que escreve fica entre nós.